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Cláudia Fam Carvalho A tão falada negação

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O desafio seguirá até termos a vacina e que há de se respeitar como as pessoas optam por viver até lá.

Foto: Reprodução
O desafio seguirá até termos a vacina e que há de se respeitar como as pessoas optam por viver até lá.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Os defensores do isolamento como estratégia de combate à Covid-19 batem forte na mesma tecla desde março, alertando para o estado de negação em que supostamente se encontram aqueles que circulam mais por aí.

Negação é um mecanismo através do qual a pessoa, de alguma forma, inconscientemente, não quer tomar conhecimento de algum desejo, fantasia, pensamento ou sentimento.

Nessa lógica, teríamos milhares e milhares de pessoas no planeta subitamente tomadas pelo uso irrestrito desse mecanismo de defesa do ego. Seria como se tivessem se tornados cegos para os riscos a que se expõem e a que expõem os outros, quase de forma psicótica. Seria possível isso?

Alguém viu foto da praia do Rio de Janeiro no feriadão de 7 de setembro? Pelo número de pessoas circulando pelas praias do Brasil afora, pelas ruas, shoppings e parques estaríamos tomados por uma cegueira coletiva daquelas, a la Ensaios sobre a cegueira.

Não acho plausível se falar em negação para um fenômeno dessa proporção, muito embora acredite que alguma parcela da população negue a existência do vírus. Talvez mais oportuno chamar de resiliência, cuja definição no dicionário é ‘capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças’.

As pessoas da foto da praia são pessoas comuns, famílias, amigos, provavelmente, na sua maioria, saudáveis do ponto de vista emocional, sem histórico de comportamentos inadequados, até outrora consideradas empáticas e sem quaisquer indícios de instintos homicidas. Entendem, enxergam, pensam, avaliam e resistem apesar dos riscos e adversidades. Assumem os riscos para si, em primeiro lugar, porque ninguém tem certeza de que a Covid não será grave no seu caso ou no caso de seus familiares, mas mesmo assim optam por se encontrarem, se divertirem, trabalharem e dar seguimento a vida.

As pessoas divergem em opiniões, percepções, graus de altruísmo, felicidade, desejos e objetivos. Não podemos generalizar de forma simplista reduzindo, medicalizando e muito menos criminalizando o comportamento de tanta gente, apenas porque a visão delas não concorda com a nossa.

Quem sabe são esses que acusam os outros de negação e falta de empatia é que estão em uso maciço de outro mecanismo de defesa chamado projeção? Será que negam tanto a morte, que pensam que podem controlá-la? Será que a morte é tão assustadora de tal sorte que não admitem correr esse novo risco que se deflagrou como real e ambicionam o impossível de dentro de suas casas? Das suas janelas advogam por algo nocivo à saúde física, mental e econômica do brasileiro (que já vive, na sua maioria, de assistencialismo), seria isso psicótico por se tratar de uma ameaça com letalidade incerta, porém estimada pela OMS atualmente em 0,6% ?

É possível. Não tenho as respostas.

Fica claro, para mim, que o desafio seguirá até termos a vacina e que há de se respeitar como as pessoas optam por viver até lá.

Como na obra de Saramago, não sabemos quem está cego de quê.

Cláudia Fam Carvalho

Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta

Graduação em medicina pela UFRGS, residência em psiquiatria no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mestre pelo Programa de Ciências Médicas da UFRGS e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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