Terça-feira, 23 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 20 de outubro de 2020
A juíza Andréa Pachá afirmou que, no âmbito das relações familiares, o crescimento da violência contra a mulher foi o impacto negativo mais imediato da chegada da pandemia. “Foi um fenômeno constatado logo no início do confinamento”, disse ela, ressaltando que os ataques passam por uma escalada, levando à morte em números epidêmicos. A afirmação foi feita durante uma live promovida pelo jornal Valor Econômico.
Segundo a juíza, a aplicação da lei resolve parte do problema no campo da violência de gênero, mas não tem sido suficiente para conter seu avanço. “É inegável a importância da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência contra a mulher. Sem esse mecanismo, o que nós tínhamos era uma violência silenciosa e pouco contabilizada”, afirmou a juíza.
Para ela, no entanto, sem mudanças profundas nas perspectivas da educação e da cultura, não haverá solução para o problema, nem mesmo pela via legal. “O punitivismo responde a parte do problema”, pontuou Andréa Pachá, para afirmar que a sociedade perpetua o machismo e a ideia de que a mulher é propriedade do homem.
A juíza ressaltou que as medidas protetivas aplicáveis após a Lei Maria da Penha permitiram refrear casos fatais. “Especialmente quando a violência ainda não escalou, porque nenhum homem acorda e mata a mulher”, comentou ela, para ressaltar que o fenômeno é crescente.
Ao comentar casos de estupros contra vulneráveis, Andréa Pachá disse que o Estado falhou na proteção à menina de 10 anos estuprada e engravidada por um tio no Espírito Santo, caso recente mais emblemático, na visão da juíza, da violência que meninas vêm sofrendo no país. Após uma batalha ideológica e legal nacional, que envolveu sociedade, autoridades e agentes públicos, a criança teve a gravidez interrompida em hospital no Recife.
“O que eu temo é que o avanço de convicções e de fés que são religiosas e privadas transbordem para a vida pública e inviabilizem a efetividade de direitos. A gente não está falando aqui de aborto ilegal. Estamos falando de aborto legal. Gravidez aos 10 anos é morte”, afirmou ela.
Segundo a juíza, o Estado deve assegurar, e de forma célere, que uma criança estuprada tenha acesso à rede pública para interromper a gravidez, para que ela atravesse o trauma com dano menor.
“O aborto legal aos 10 anos não precisaria nem de uma autorização judicial. Mas ainda assim, com autorização judicial, essa menina procura a rede pública e tem negado o direito a esse aborto, e não por razões objetivas, compreensíveis e republicanas”, observou.
Segundo ressaltou ela, paralelamente a essa negativa, houve um movimento partindo de dentro do próprio Estado para convencer a menina a manter a gestação, o que resultou em mais sofrimento. “Então, isso precisa ser investigado, o Ministério Público precisa acompanhar essa violência, porque o que não se pode admitir é que o Estado revitimize essa criança”, disse a juíza, que afirma ter ficado abalada com os “relatos de crueldades” do caso.
“Lamentavelmente, esse é um dos casos que ganhou visibilidade. Imaginemos nós quantos casos iguais ou parecidos são silenciados por grupos que entendem que a gestação tem que ser levada até o final, que a criança precisa se submeter a uma cesariana.”
Segundo a juíza, crença e religião somente são respeitadas em Estados democráticos e laicos. “Quando a gente começa a usar a religiosidade para impor a fé privada no espaço público se vulnerabiliza a própria democracia”, afirmou. As informações são do jornal Valor Econômico.