Terça-feira, 24 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 3 de junho de 2023
No espaço de duas semanas, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, enfrentou sua primeira crise política como integrante do governo federal. E não foi uma crise qualquer. Primeiro, o Congresso Nacional retirou, com aval do governo, a responsabilidade de sua pasta no processo de demarcação de terras indígenas.
Depois, em um novo movimento, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que instituiu o marco temporal para as demarcações de terras indígenas em 5 de outubro de 1988.
O primeiro movimento aconteceu em meio às negociações do governo para conseguir aprovar a medida provisória que criou a atual estrutura de órgãos e ministérios da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Diante do risco de a medida provisória perder a validade, o governo cedeu e chancelou a retirada da demarcação da pasta de Guajajara, além de também desidratar o Ministério de Meio Ambiente, comandado por Marina Silva.
O segundo movimento, no entanto, foi o que mais deixou analistas e defensores da pauta indígena preocupados.
O marco temporal é considerado uma ameaça pelo movimento indígena sob o argumento de que ele pode paralisar novas demarcações e colocar em xeque a segurança jurídica daquelas que já foram homologadas.
A preocupação ficou ainda maior porque mostrou que, diante de um Congresso Nacional majoritariamente conservador e com uma bancada ruralista turbinada, o governo Lula não vem tendo condições políticas de impedir o avanço de pautas contrárias ao movimento indígena.
Na sexta-feira, (2), Sonia Guajajara recebeu a BBC News Brasil em seu gabinete ainda em obras, em Brasília. Ela é a primeira pessoa indígena do Brasil a ocupar um ministério de Estado.
O ministério foi criado após promessa feita por Lula ainda durante a campanha. Nos corredores do prédio, na Esplanada dos Ministérios, há tapumes por toda parte.
Líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) por quase uma década, Sonia Guajajara foi candidata à vice-presidência da República em 2018 e, em 2022, foi eleita deputada federal pelo PSOL de São Paulo.
À BBC News Brasil, a ministra disse não estar surpresa com o que classificou como “ataques” vindos do Congresso. Ela minimizou a falta de potência política do governo para tentar reverter as derrotas no Parlamento, disse que não pensou em se demitir após membros do governo voltarem atrás e apoiarem o relatório da MP que desidratou seu ministério e disse que não desistiria fácil.
“Não, de jeito nenhum. Imagina… (Foram) 523 anos para criar um ministério e vou entregar de bandeja na primeira pedra que aparece no meu caminho?”, disse a ministra. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
– Nas últimas semanas, ministros do governo e, ao que tudo indica, o próprio presidente, deram aval para desidratação da pasta do Ministério dos Povos Indígenas. A senhora se sentiu de alguma forma traída pelo presidente? “Não pelo presidente Lula. Mas o Congresso Nacional articulou muito para retirar essa atribuição do Ministério dos Povos Indígenas, que é a etapa da portaria declaratória. Quem vota é o Congresso. Quem aprovou essa medida provisória foi o Congresso Nacional. E a gente viu como eles (parlamentares) se comportaram, inclusive em relação ao Projeto de Lei 490 (que estabelece marco temporal para demarcações de terras indígenas) e até a retirada de outras pautas de outros ministérios. Foi uma pressão real, uma articulação forte dos parlamentares na Câmara dos Deputados.”
– Mas a senhora acha que o governo fez o suficiente para evitar que isso acontecesse? “O governo interveio, sim. Tentaram articular, mas o relator, o (Isnaldo) Bulhões (MDB-AL), já chegou irredutível dizendo que o Congresso Nacional não apoiaria e que ele não teria força de conseguir a manutenção dessa pasta aqui no Ministério dos Povos Indígenas.”
– Quando o relatório foi aprovado, os ministros da articulação política disseram que tentariam reverter. Depois disso, eles disseram que iriam apoiar aquele relatório, dando aval à desidratação da sua pasta. A senhora disse recentemente que se sentiu frustrada com isso. Qual o seu sentimento hoje? “É claro que eu não posso dizer que fiquei totalmente satisfeita, porque o ato declaratório (para demarcação de terras indígenas) é uma das principais pautas do Ministério dos Povos Indígenas e, inclusive, uma das principais razões para ele ter sido criado. Porém, essa atribuição já era do Ministério da Justiça e tendo o Flávio Dino como ministro da Justiça, ele assumiu toda a responsabilidade de não paralisar os processos que estão em andamento. Então, nós sentimos aqui essa confiança no ministro Flávio Dino de que nossas pautas irão continuar avançando e também com o compromisso do presidente Lula.” As informações são da BBC News Brasil.