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Por Redação O Sul | 15 de julho de 2019
Dezenas de bancos de dados de rostos de pessoas estão sendo compilados, sem que elas saibam, por empresas e pesquisadores, com muitas das imagens sendo compartilhadas ao redor do mundo. A prática formou um vasto ecossistema que facilita a disseminação da tecnologia de reconhecimento facial.
Os bancos de dados de rostos são montados com fotos de redes sociais, sites de compartilhamento de imagens, serviços de namoro como OkCupid e a partir de câmeras em restaurantes e universidades, por exemplo. Ativistas que defendem a privacidade já relataram armazenamentos de imagens feitos pela Microsoft, a Universidade de Stanford e outras empresas e instituições. Um desses “depósitos” de rostos teria mais de 10 milhões de imagens, e outro, mais de 2 milhões.
A compilação de faces é parte da corrida para criar reconhecimento facial de ponta. A tecnologia aprende cada vez mais rápido a identificar uma pessoa analisando o máximo de imagens digitais por meio de redes neurais – sistemas matemáticos complexos que precisam de grandes volumes de dados para reconhecer padrões.
Os maiores bancos de dados, provavelmente, estão com gigantes de tecnologia como Facebook e Google, que não os distribuem, segundo documentos de pesquisas. Mas outras empresas e universidades já compartilharam seu acervo de rostos com pesquisadores, governos e companhias privadas em países como Austrália, Índia, China, Cingapura e Suíça para treinamentos de inteligência artificial.
As companhias e laboratórios de pesquisa colhem imagens de faces há mais de uma década, mas as pessoas não têm a menor ideia de que estão sendo usadas para incrementar a tecnologia de reconhecimento. E, se não há nomes ligados às imagens, os indivíduos podem ser reconhecidos, já que cada rosto é único.
O risco é o uso abusivo e invasivo de tais recursos. Documentos revelados na semana passada mostraram que a Imigração e a Alfândega dos EUA já utiliza reconhecimento facial para escanear fotos de motoristas e identificar imigrantes sem documentos. O FBI também se vale desses sistemas para comparar fotos de passaportes e carteiras de motoristas com imagens de pessoas suspeitas de cometer crimes. Na última quarta-feira, uma audiência no Congresso americano abordou o uso dessas tecnologias pelo governo.
Não há fiscalização dos bancos de dados – pelo menos um deles foi compartilhado com uma empresa chinesa que foi ligada a práticas de discriminação racial contra a minoria uigur muçulmana no país.
Nas últimas semanas, algumas companhias e universidades, inclusive Microsoft e Stanford, retiraram seus bancos de dados da internet devido a temores de violação de privacidade. Mas, como as imagens já estavam bem distribuídas, elas provavelmente já estão sendo utilizadas nos EUA e em outros lugares, dizem pesquisadores e ativistas.
“Você percebe que tais práticas são invasivas, e que as empresas não respeitam a privacidade”, diz Liz O’Sullivan, que supervisionou um banco de dados na start-up Clarifai, de Nova York. Ela diz ter se demitido por não concordar com a compilação de imagens. “Quanto mais onipresente se torna o reconhecimento facial, mais expostos ficamos ao processo.”
Google, Facebook e Microsoft não quiseram comentar o assunto.
Um dos bancos de dados, que remonta a 2014, foi criado em Stanford e se chamava Brainwash (lavagem cerebral, em português). O nome era o de um café em São Francisco onde os pesquisadores grampearam uma câmera. Em três dias, ela tirou mais de 10 mil fotos, que entraram no banco de dados e foram alvo de um estudo em 2015.
Depois, eles compartilharam o Brainwash, que foi usado na China por acadêmicos da Universidade Nacional de Tecnologia de Defesa e pela Megvii, uma empresa de inteligência artificial ligada à vigilância do povo uigur.
O banco de dados foi removido da internet em junho depois que Adam Harvey, um ativista na Alemanha, chamou atenção para ele. Links entre o Brainwash e a China também foram deletados, segundo documentos em poder de Harvey.
Os pesquisadores de Stanford que supervisionaram o Brainwash não responderam a pedidos de entrevista. Um funcionário da universidade disse apenas que, “como parte do processo de pesquisa, Stanford disponibiliza publicamente, de forma rotineira, documentação e materiais.”
“Uma vez que isso é tornado público, a universidade não verifica seu uso”, afirmou.
Na Microsoft, segundo pesquisadores, um banco de dados on-line chamado MS Celeb chegou a ter mais de 10 milhões de imagens de mais de 100 mil pessoas. Além de celebridades, trazia fotos de defensores de privacidade e segurança, acadêmicos e outras pessoas. Segundo Harvey, o banco de dados foi distribuído internacionalmente antes de ser removido da internet este ano.