Segunda-feira, 14 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 28 de outubro de 2022
O engenheiro Thiago Brasileiro, de 43 anos, e a influenciadora digital Lucilene de Lima, de 41, possuem histórias de vida que são, ao mesmo tempo, parecidas e diferentes. Ambos foram diagnosticados com leucemia mieloide crônica, um tipo de câncer que afeta a medula óssea – aquele “tutano” que temos no interior dos ossos e é responsável por fabricar as células do sangue, como as hemácias e os leucócitos.
Em 2017, Brasileiro começou a sentir uma dor no abdômen e um cansaço muito grande. Ele foi então a um hospital em Belo Horizonte, cidade onde mora. Lá, rapidamente recebeu o diagnóstico e o tratamento.
“Assim que a biópsia definiu o tipo de tumor, os médicos prescreveram uma das três quimioterapias orais disponíveis e, em cerca de 10 dias, eu já estava com o remédio em mãos”, relata.
Lima, por outro lado, demorou quase um mês para buscar o pronto-socorro desde o início dos sintomas que experimentou, como o aparecimento de manchas na pele e um emagrecimento rápido.
Quando finalmente marcou uma consulta, a moradora de Diadema, na Grande São Paulo, passou por três unidades de saúde diferentes antes de saber qual era a verdadeira origem daqueles incômodos.
“A investigação médica começou em dezembro de 2012 e só fui iniciar o tratamento em abril de 2013. Foram quatro meses de espera”, lembra.
Mas qual a diferença fundamental entre os dois? Brasileiro tem convênio médico e realiza todo o acompanhamento em clínicas e hospitais privados. Lima não possui esse tipo de seguro e depende do Sistema Único de Saúde (SUS) para lidar com a enfermidade.
Além da demora para ter o primeiro acesso aos fármacos, Lima aponta a dificuldade de recebê-los todo mês – o tratamento da leucemia mieloide crônica costuma ser feito com um entre três quimioterápicos disponíveis (imatinibe, dasatinibe e nilotinibe), administrados por meio da ingestão diária de comprimidos.
“Com o passar do tempo, você cria laços com outros pacientes. Recentemente, me contaram que os remédios estavam faltando na Bahia, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Pará, no Rio Grande do Norte…”, lista.
“Só no ano passado, eu mesma fiquei sem receber a dose certa em julho, agosto, setembro, outubro e dezembro”, complementa.
Lima afirma não ter condições de custear o tratamento, cujo preço varia entre R$ 12 mil e R$ 18 mil por mês. “Uma vez ou outra, até dá pra se virar e pedir ajuda financeira para alguém próximo”, diz.
“Mas, às vezes, precisamos recorrer aos familiares de um paciente que acabou de morrer para que eles doem a medicação que sobrou.”
Brasileiro, que coordena grupos de pacientes na Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), também afirma lidar com relatos do tipo com mais frequência do que gostaria.
“Não existe câncer público e câncer privado. Por que o tratamento é tão diferente no SUS?”, questiona.
Histórias como a de Brasileiro e Lima são um retrato do que acontece todos os dias com pessoas diagnosticadas com câncer, a segunda principal causa de morte no país, atrás apenas das doenças cardiovasculares.
Segundo alguns pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, é possível observar um enorme descompasso entre o que existe de mais moderno e eficiente para tratar os tumores e aquilo que é oferecido de fato nas unidades de oncologia.
“Existe um abismo. Essa é uma das expressões mais concretas das desigualdades de saúde no Brasil”, constata a médica Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Esse “buraco”, aliás, se ampliou ainda mais na última década. Nesse período, foram lançadas drogas que revolucionaram o setor e são capazes de aumentar a sobrevida ou até curar os pacientes. No entanto, elas são muito caras – não raro, custam uma pequena fortuna por mês.
“Para ter ideia, mais de 95% dos medicamentos oncológicos aprovados para uso no país nos últimos dez anos não estão disponíveis no SUS”, calcula o oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer.
Embora o acesso a certos tratamentos seja relativamente mais fácil para quem tem plano de saúde, isso não quer dizer que todos os convênios são perfeitos e oferecem tudo para os beneficiários, apontam os especialistas.
“O acesso aos tratamentos mais modernos não é igual para todo mundo que tem plano de saúde. Há muitos casos em que apenas os seguros mais caros oferecem essas opções”, destaca Bahia.
Vianna entende que a principal barreira do sistema de saúde privado está na fragmentação dos serviços.
“No SUS, há uma organização determinada, em que a base é a atenção primária. Daí, o paciente só alcança as unidades de atendimento de média e alta complexidade se tiver um encaminhamento para isso”, explica ele.
“Já na rede privada, o acesso aos especialistas é excessivo. A pessoa consegue rapidamente consultar médicos especialistas, sem passar por um clínico geral antes.”
“Isso também não é bom, porque deixa o sistema todo fragmentado. O indivíduo vai num lugar fazer exame, em outra clínica para receber o remédio, num terceiro lugar para a consulta… Com isso, não existe um alinhamento e uma padronização dos cuidados em saúde”, aponta. As informações são da BBC News.