Sexta-feira, 13 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 8 de outubro de 2021
Depois da dupla cidadania, trabalho em dobro é o novo objetivo dos brasileiros em Portugal. Salários baixos, aluguéis nas alturas, falta de mão de obra e dificuldades criadas pela pandemia de covid-19 impulsionam a busca pelo segundo emprego, uma garantia de permanência no país.
A procura subiu na pandemia. O semanário “Expresso” publicou, com números do Instituto Nacional de Estatística (INE), que houve aumento de 11% entre a população com trabalho duplo nos primeiros trimestres de 2020 e 2021. Seriam cerca de 238 mil pessoas, que podem atuar tanto em funções remotas quanto no setor de serviços.
É comum profissionais de tecnologia de informação ou designers brasileiros trabalharem remotamente para empresas do Brasil, de Portugal ou da Europa. Quem fala outros idiomas tem mais chances.
Durante o dia, o macaense Lúcio Duval, fluente em alemão, trabalha de casa para uma empresa que presta serviços para uma operadora de telefonia da Alemanha. À noite, é músico em pontos turísticos do Porto. A música era sua principal atividade até a pandemia impor o silêncio nas ruas.
A maior parte dos rendimentos vai para aluguel e despesas gerais, afirma. Questionado se precisava de um segundo emprego para completar o salário ou apenas por ter aparecido a chance, respondeu:
“Pelos dois motivos e também para ter um trabalho com contrato e comprovante para Imposto de Renda, já que o trabalho como músico é independente e não comprovável”, disse Duval.
Como depende do público quando toca em locais com o Jardim do Morro, em Vila Nova de Gaia, ou no Cais da Ribeira, no Porto, Duval tem no telemarketing uma cobertura financeira no inverno. É quando terá a alternativa de ganhar dinheiro mesmo se for obrigado a ficar em casa nos dias mais frios e chuvosos.
“Não (são trabalhos sazonais), apesar de como músico eu ter uma baixa nos rendimentos considerável no inverno”, explicou Duval, que diz ter renda flutuante quando está a serviço da empresa alemã:
“Depende de quantas chamadas eu consigo atender ao dia.”
No outro extremo do país, Johnny Craveiro trabalha em um hotel e conta que completa a renda num bar durante o verão. Ele vive em Albufeira e afirma gastar quase tudo que ganha em aluguel e despesas básicas.
“Para ficar mais confortável, porque um salário só vai quase todo para aluguel e outras despesas. Porém, neste ano em especial, eu estou juntando para passar uma temporada no Brasil”, contou Craveiro.
Como o trabalho no Algarve é sazonal, ele observou que este ano falta mão de obra na região. Brasileiros da região afirmaram ter dois e até três trabalhos em simultâneo.
“Todos os anos trabalho em dois lugares no verão, é muito comum. Porém, nesta retomada, é visível que falta muita gente, principalmente na hotelaria, onde há muita falta de trabalhadores”, contou Craveiro.
A capixaba Líliam Alberto de Paiva pediu um tempo enquanto saía de uma empresa para outra, em Lisboa. Ela gasta cerca de três horas por dia em deslocamentos. Formada em pedagogia, diz que as oportunidades não apareceram e, por isso, fez um curso de geriatria.
Conseguiu nesta área seu primeiro contrato de emprego, que paga o salário mínimo, de € 665. O aluguel que divide com o namorado custa € 650, fora as despesas básicas. Hoje, tem três trabalhos para poder se manter em Portugal.
“Pagar aluguel, alimentação, médico e outras despesas com salário mínimo não dá. Comecei a fazer prestação de serviços, tanto para um cliente particular quanto para uma empresa de apoio domiciliar. Eu trabalho todos os dias 8h às 23h. E, aos sábados, de 9h às 21h. Minha folga é somente aos domingos”, disse Paiva.
Se tivesse tempo e fôlego, poderia até encontrar um quarto trabalho, porque há vagas na geriatria, área escassa de mão de obra.
A informação encontra eco no Porto, onde a carioca Cristiane Farias dos Santos trabalha com idosos em três locais distintos e de forma autônoma, como prestadora de serviço.
“Optei por trabalhar com idosos, porque sempre atuei em projetos sociais voltados para crianças e idosos carentes no Brasil. A escolha foi ratificada pelo fato de Portugal país ter sua população prioritariamente de idosos. Dificilmente faltam oportunidades na área. Talvez, o que ocorre é a falta de mão de obra qualificada ou com disponibilidade para o exercício da função, que pode ser bastante nobre, mas não é nada fácil”, contou Santos.