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Por Redação O Sul | 31 de janeiro de 2022
Durante sua tradicional entrevista coletiva de fim de ano, em dezembro de 2021, o presidente russo, Vladimir Putin, deu uma dura resposta a uma jornalista do canal britânico Sky News quando questionado se pretendia dar alguma garantia de que não invadirá a Ucrânia. Àquela altura, já havia mais de 100 mil militares russos posicionados ao longo da fronteira russo-ucraniana, além do território da Crimeia, anexado por Moscou em 2014, e nações ocidentais afirmavam que uma nova invasão era iminente.
A resposta de Putin, marcada por referências históricas e comparações estratégicas, foi uma das falas mais diretas sobre o que move o Kremlin na atual crise com a Ucrânia. Essencialmente, ela diz respeito menos ao país vizinho e mais à forma como a Rússia vê o Ocidente… e como quer ser vista por ele. Os pontos principais da resposta estão detalhados abaixo.
Expansão da Otan
Primeiramente, ela evidenciou como o Kremlin se vê distante da Otan, algo que ajuda a explicar a desconfiança em relação à aliança militar criada para se contrapor à União Soviética no período pós-Segunda Guerra.
“O Ocidente entendeu ou deixou de entender algo? Você sabe, em alguns momentos eu sinto que vivemos em mundos diferentes”, declarou Putin à jornalista Diana Magnay, da Sky News.
Ainda em 2007, em discurso na Conferência de Segurança de Munique, Putin disse que “era óbvio que a expansão da Otan não tem relação com a modernização da aliança ou com a garantia de segurança na Europa” e que isso “representa uma séria provocação que reduz o nível de segurança mútua”.
Foram cinco expansões da Otan desde o fim da União Soviética, passando a incluir praticamente todo o antigo bloco socialista aliado à ex-URSS e mesmo nações da ex-URSS (Letônia, Estônia e Lituânia) na organização. À exceção da Finlândia (país neutro), Bielorrússia (aliada de Moscou) e de Ucrânia e Geórgia, ambas candidatas à aliança, as fronteiras russas com a Europa são com países que integram a Otan.
Putin cita uma suposta promessa feita pelos EUA, nos últimos dias da URSS, para limitar as fronteiras da Otan ao território da então recém-unificada Alemanha. O compromisso, negado por Washington, surgiu na lista de demandas feita pelo presidente em dezembro, quando exigiu que os contingentes militares sejam retirados das nações que entraram para a aliança depois de 1997.
Sensação de insegurança
Na entrevista de final de ano, Putin fez uma comparação entre as forças da Otan no Leste europeu e o hipotético posicionamento de mísseis russos no Canadá e no México – citando a Ucrânia, afirmou que a Rússia estava sendo ameaçada pelo Ocidente, e não o contrário.
“São vocês que vieram até nossas fronteiras e agora dizem que a Ucrânia se tornará um membro da Otan. Ou, mesmo que não se junte à Otan, [dizem] que bases e sistemas de ataque serão instalados em seu território por meio de acordos bilaterais”, declarou Putin em dezembro.
Frequentemente, ele menciona que sistemas de mísseis em países como Romênia e Polônia, oficialmente defensivos, poderiam ser adaptados para operações de ataque, incluindo com armas nucleares. Indo além, aponta que a presença desse tipo de sistema em solo ucraniano seria inaceitável, mesmo sem a entrada de Kiev na aliança militar.
Lugar à mesa
Um ponto essencial para entender a postura russa na crise está na lista de demandas de segurança de Putin: nos itens 2 e 3, ele defende que discordâncias sejam tratadas de forma multilateral e que as nações “não considerem as demais como adversárias, e mantenham um diálogo entre si”.
No Kremlin, existe a percepção de que a Rússia foi deixada de lado das grandes decisões no pós-Guerra Fria, e que o país continuou a ser visto como um “adversário”, tal como nos tempos do “perigo vermelho” soviético. O governo também vê que suas preocupações estratégicas foram desprezadas pelo Ocidente.
“Eles [a Otan] deveriam ter tratado a Rússia como um aliado em potencial, ter fortalecido o país, mas foram na direção oposta”, disse Putin na entrevista de dezembro.
Daí a intenção de mudar o contexto de segurança regional, o que incluiria um novo acordo sobre armas nucleares de curto e médio alcance na Europa – o texto anterior, de 1987, foi rasgado por Donald Trump em 2019 – e o compromisso da Otan de não aceitar a Geórgia e a Ucrânia em sua aliança.
Para analistas como Dmitri Trenin, diretor do Centro Carnegie de Moscou, as demandas não devem ser vistas como um ultimato de Moscou, mas sim como um ponto inicial de negociações, especialmente com os EUA.
Ele vê sinais de que o Kremlin também estaria disposto a fazer suas próprias concessões a Washington para criar o que chamou de “equilíbrio de interesses” – acordos sobre controle de armas e eventualmente uma Ucrânia neutra, seguindo o modelo da Finlândia, poderiam estar sobre a mesa.
Resta saber se os outros parceiros da Otan, alguns ferrenhos opositores de Moscou, vão aceitar esses termos. As informações são do jornal O Globo.