Segunda-feira, 21 de julho de 2025

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Ali Klemt Fui traída – mas sem trilha do Coldplay

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Essa semana foi toda sobre… traição! Um tema universal, atemporal e, claro, profundamente humano. Polêmica no ar? Temos. Mas o texto não é sobre o que você está pensando. Então, segue aqui comigo.

Primeiro, o caso que virou assunto em todas as rodas do país: durante um Chá Revelação, a esposa usou o microfone e, naquele momento em que todos esperavam saber o sexo do bebê, ela resolveu fazer uma revelação bem mais impactante: os casos extraconjugais do marido, com inúmeras provas, prints e até a informação de que ele já tinha um filho fora do matrimônio. Eita! Enquanto gente aplaudia e gente condenava, assistimos à nação fascinada pela quebra pública de um pacto privado, como se a exposição sem filtros compensasse a dor que vem do coração… Não julgo, mas confesso que não concordo.

Só que a semana nos brindou com outro bafafá: uma traição flagrada durante um show do Coldplay. O “casal” foi enquadrado na câmera – e, obviamente, também pela opinião pública – ao tentar escapar do vídeo. O resto, vocês já sabem: ele, CEO da empresa em que ela era a RH. Caos instaurado. Descobriram que ele era um chefe tóxico, imputaram a ela a culpa (sempre e mulher!), dois casamentos desfeitos, famílias esfaceladas e um mundo inteiro julgando como se não tivesse pecados. Dê-lhe “moral de cuecas” (mas, convenhamos, a fofoca é boa).

Foram esses fatos que me deram o seguinte insight: eu também me sinto traída. Mas não tem nada a ver com o Patrickão (amém). Eu me sinto traída pelo nosso país.

Eu ainda era bem pequena durante a abertura democrática brasileira, mas certos valores acabaram incutidos na geração que cresceu odiando ditaduras e vivendo intensamente o direito à liberdade. Liberdade de expressão, de opinião, de ser quem se quisesse ser. Respaldados por nossos pais, que viveram o período de censura e tolhimento dos direitos individuais, nós, filhos das décadas de oitenta e noventa, fomos abençoados com a liberdade. Corrupção, insegurança pública, educação sucateada, desemprego… isso tudo continuava existindo no país e sempre foram as chagas que precisávamos combater. E eu, jovem articulada, culturalmente rica e leitora voraz, fui impelida a estudar Direito. Foi na faculdade de Direito que interiorizei uma certeza absoluta: a nossa Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã, é linda. Mais do que isso, é a pedra fundamental sobre a qual se construiriam os alicerces de uma nação esperançosa. Me disseram que ela seria o nosso escudo contra o autoritarismo, a arbitrariedade, a vontade de um sobre a vontade do povo. Eu acreditei nisso.

E aí… aí fui traída.

Fui traída pela politicagem e pela manipulação das leis, pelo jogo de interesses que “descondenou” corruptos com base em nulidades processuais. Fui traída por um sistema que articula para se eternizar no poder. Fui traída pela irracionalidade com que se deturpam dispositivos da lei para se atingir a interpretação mais benéfica. Fui traída pela Corte, enfim, que deveria resguardar a nossa Magna Carta.

Magna Carta. Eu vi o exemplar original, mantido intacto na Catedral de Salisbury. E, confesso, foi um momento que me impactou. A mim, alguém que acredita na lei. O que me remonta à outra traição. Vou contar essa história.

No século XIII, a Inglaterra vivia um período de instabilidade, revoltas e impostos sufocantes. O rei era João Sem Terra, o caçula de Henrique II e irmão do famoso Ricardo Coração de Leão. João herdou o trono, mas não a admiração do povo. Era considerado fraco, traiçoeiro e ganancioso. Traiu aliados, perdeu territórios importantes para a França e tentou governar com punho de ferro. Porém, sem a força de um rei respeitado.

Cansados dos abusos, os barões ingleses se rebelaram. Exigiram limites ao poder real. E assim, em 1215, João foi forçado a assinar a Magna Carta, um documento revolucionário para a época. Ali estava o embrião do que hoje chamamos de Estado de Direito: o rei não estava acima da lei. Nenhuma autoridade poderia prender, confiscar ou punir sem o devido processo legal. E o povo ganhava, pela primeira vez, o direito de dizer “basta”. A Magna Carta foi a resposta institucional a um rei que governava como se fosse dono de tudo. E, veja só, isso foi há mais de 800 anos.

Hoje, quando vemos ministros com poderes quase monárquicos interpretando leis como lhes convêm, criando normas por canetada e ignorando o papel do Congresso, me pergunto: onde está a nossa Magna Carta? Ou melhor: quem é o nosso João Sem Terra?

A resposta, eu deixo com vocês.

Traição não é só entre quatro paredes. Traição é quando rompem com o que juraram proteger. É quando usam o microfone da democracia para anunciar que estão com “outro”: outro projeto, outro ideal, outro plano de poder. E que você e o pacto que vocês mantinham foi alterado, adulterado, violado de forma unilateral. É a total desconsideração da relação.

E ao contrário dos vídeos que viralizam, essa traição institucional não ganha manchete com trilha sonora. Ela vem sorrateira, mascarada de “proteção” ou “segurança jurídica”, e vai corroendo as bases do Estado de Direito.

Se querem nos trair, que ao menos tenham a decência de não fingir amor à Constituição.

Instagram: @ali.klemt

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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