Sexta-feira, 18 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 7 de julho de 2025
Em cinco anos, as três maiores companhias aéreas que operam no Brasil precisaram recorrer à recuperação judicial (ou Chapter 11, como é chamado esse recursos na Justiça dos EUA) para reequilibrar suas contas. Por trás da crise, está a escalada dos custos operacionais. Mas há uma particularidade do mercado brasileiro que agravou a situação: a judicialização, caracterizada pela enxurrada de ações de passageiros contra as companhias.
A leitura do setor é de que se criou uma “indústria” de processos contra as aéreas, o que acaba encarecendo também o preço das passagens e reduzindo o interesse de novas empresas em atuar no País – onde o Código de Defesa do Consumidor dá aos passageiros afetados por atrasos ou cancelamentos de voos direito à assistência proporcional ao tempo de espera.
Os custos das empresas com processos movidos por clientes saltaram de R$ 586 milhões em 2018 para R$ 1,16 bilhão em 2023 – último ano com dados consolidados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O crescimento é atribuído, principalmente, ao uso de diferentes estratégias de comunicação por empresas especializadas nesses recursos judiciais para alcançar passageiros potencialmente lesados. Pela internet, ou com anúncios em outdoors próximos de aeroportos, elas realizam uma “busca ativa”, oferecendo representação contra atrasos, cancelamentos e extravio de bagagens.
Para o consultor jurídico da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), Ricardo Bernardi, o Brasil tem um cenário singular quanto à responsabilização das companhias. “Virou uma lógica de punição. Atrasos e cancelamentos se tornaram uma commodity, e muitas pessoas passaram a buscar indenizações como oportunidade, não como reparação legítima”, diz ele.
O Brasil registra uma ação contra companhias aéreas a cada 0,52 voo. Já as aéreas americanas reportam um processo judicial a cada 2.585 viagens, por exemplo, segundo dados do Bernardi & Schnapp Advogados. E cerca de 90% das ações ajuizadas contra companhias aéreas brasileiras são por dano moral, conforme levantamento da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), em parceria com a Iata.
Os atrasos e remarcações de voos estão entre as principais reclamações. O custo médio dessas indenizações é de R$ 6,7 mil. Em setembro do ano passado, a Abear divulgou estudo que confirmaria a ideia de que há “litigância predatória”: cerca de 10% dos 400 mil processos analisados foram movidos pelos mesmos 20 advogados ou escritórios.
O secretário nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, defende o equilíbrio entre o direito do passageiro e o que chama de “excessiva judicialização” contra o setor aéreo.
Propagandas
As propagandas das empresas especializadas em ações judiciais contra companhias aéreas ocupam áreas dentro dos maiores aeroportos do Brasil. Nas redes sociais, os anúncios chegam antes mesmo de o passageiro voar – identificados a partir de algoritmos.
Na área externa do Aeroporto de Brasília – o terceiro mais movimentado do País –, por exemplo, dezenas de painéis de LEDs alternam peças publicitárias das companhias aéreas com as das empresas especializadas em processá-las. “Seu voo atrasou? Teve a mala extraviada? Conheça seus direitos”, diz um dos anúncios.
Após uma viagem, ainda que sem qualquer intercorrência, também é frequente o recebimento de publicidades em redes sociais com a promessa de praticidade no processo e potenciais ganhos financeiros.
Essas estratégias de atração de clientes dividem opiniões. A questão é identificar o limite entre o direito dos consumidores e excessos que podem pesar sobre a viabilidade operacional da aviação comercial.
De um lado, advogados e consultorias defendem que quanto mais informado o passageiro estiver sobre seus direitos, menor é a chance de ser lesado. Do outro, dirigentes do setor avaliam que as propagandas estimulam uma judicialização excessiva, gerando mais custos para as empresas e, consequentemente, para os passageiros, já que esse risco é embutido no preço dos bilhetes.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vê desafios éticos na tênue linha entre informar o consumidor e atrair clientes de forma indevida. A entidade divide as publicidades entre passivas e ativas, reconhecendo como legítimo apenas o primeiro grupo. A publicidade passiva é a divulgação que atinge público específico que já buscou informações sobre o anunciante, sobre os temas anunciados, ou que concordou previamente em receber a comunicação. Já a ativa é a divulgação que visa atingir um público indeterminado.
A irregularidade se caracteriza também quando o anúncio fala de resultados favoráveis. “Não é a simples publicação do resultado, mas que isso gera uma expectativa que pode não se concretizar, já que cada caso terá entendimentos diferentes dos juízes”, diz o advogado Josué Justino, vice-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB São Paulo.
As punições vão desde termos de ajustamento de conduta (TAC) até censuras públicas e suspensões temporárias da advocacia em casos graves.
No entanto, advogados especializados nesse tipo de processo e as empresas mais conhecidas no segmento promovem-se justamente divulgando o número de ações vencidas e detalhando casos. Há perfis no Instagram dedicados apenas a oferecer esses serviços. Uma advogada que tem mais de 300 mil seguidores, por exemplo, publica diariamente relatos de clientes que chegam a receber até R$ 20 mil de indenização. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.