Quinta-feira, 28 de março de 2024
Por Edson Bündchen | 16 de janeiro de 2020
Ao nos depararmos com as atrocidades cotidianas, violência, fome, miséria, falta de solidariedade e uma infinidade de injustiças que acometem a humanidade, somos levados a pensar que o homem não é um ser do bem.
Por outro lado, assistimos também, diariamente, a exemplos edificantes da natureza humana, onde indivíduos dedicam suas vidas aos outros, pessoas se sacrificam anonimamente para salvar os esquecidos e, virtudes humanas tais como senso de justiça, sabedoria, respeito, empatia, generosidade e honestidade ainda sobrevivem.
Essa questão do bem versus o mal está presente, muito mais do que se possa imaginar, na forma como as coisas são conduzidas, seja no plano individual, de grupos, empresas e até nações.
Maquiavel, no século XIV, ao aconselhar a família Médici de Florença sobre como agir para a manutenção do poder, valeu-se de uma visão francamente cética a respeito da natureza humana. Para Maquiavel, o homem não era confiável, solidário nem bondoso. Ao contrário, o homem traía sempre que possível, mentia com frequência e não cumpria suas promessas.
Essa visão pouco edificante do comportamento humano subsidiou os conselhos de Maquiavel aos príncipes, de modo que mantivessem seus reinos intactos. A ética de Maquiavel sobreviveu aos tempos e é estudada até hoje, inclusive se tornando livro de cabeceira de líderes empresariais que se veem acometidos por uma competição brutal pela sobrevivência. Muitos desses líderes, ainda hoje, apelam ao filósofo Florentino, mesmo após mais de 500 anos de sua morte, revelando como ainda são influentes os apelos a estratégias baseadas no matar ou morrer.
Entretanto, descartar os conceitos reducionistas entre o bem e o mal parece ser um bom começo para uma abordagem mais aberta à complexidade que cerca o comportamento das pessoas. Não há, a meu ver, razões para separar bons e maus na forma proposta por Maquiavel, até porque existem nuances comportamentais que nos tornam complexos demais para cabermos em estereótipos simplistas e limitadores.
Chama a atenção, entretanto, talvez em razão do apelo que soluções simples para problemas complexos exercem sobre gestores cada vez mais assoberbados, que ainda assistamos a fórmulas reducionistas e maniqueístas quando o assunto é liderar pessoas.
Se para a família Médici, os conselhos de Maquiavel foram úteis para orientar escolhas fundamentais na manutenção do poder e da própria sobrevivência, num plano atual, acredito que gerentes e líderes devam considerar uma abordagem menos dicotômica e que permita explorar mais amplamente o imenso manancial criativo que os novos tempos reclamam. Parece um tanto démodé e fora de tom, em pleno século XXI, ainda apelarmos para conceitos que sinalizavam as limitações de uma época onde o conhecimento era privilégio de poucos.
Hoje, na era do conhecimento e da revolução tecnológica, é preciso abraçar uma orientação mais aberta, sensível e humanizada, fugindo do modelo maquiavélico naquilo que o mesmo tem de pior: reduzir e separar o ser humano entre o bem e o mal. Sem essa superação, perde a própria gestão que não atingirá seu pleno potencial, perdem os indivíduos pelo desperdício de talentos e perde a sociedade como um todo. Está na hora de superar Maquiavel.
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