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Colunistas O paraíso do “cumpanheiro”

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(Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Era operário, de salário baixo como a maioria. Enfim, morando na via, diziam os diretores especializados em pobreza que ele era pobre. Ficou sabendo por anúncio colorido oficial de televisão que podia mexer no seu FGTS para comprar ações da Petrobrás. Explicavam na TV que ele ia ser um pouco dono da Petrobrás, uma empresa brasileira, a maior da América Latina. Pediu explicações ao delegado sindical que ele sabia ser entendido das coisas do Governo, que o estimulou a comprar. Não esqueceu da palavra do colega entendido: “graças ao nosso Governo, você vira acionista da empresa. Até meio capitalista. Vantagem que, antes, só quem tinha eram os ricos, os patrões”.

Depois, ficou sabendo que o Governo “da gente” estava abrindo um verdadeiro crediário, com pagamento a “perder de vista”, para viabilizar que o nosso operário pudesse comprar um carro zero quilômetro. Imagina, pagaria em 84 prestações. Sete anos, tempo em que o filho de 12 anos chegaria à maioridade e poderia dirigir o carro, como alguns “bacanas”, filhos de gente rica. Na verdade, ele próprio. Sonhara ter um carro.

Aí veio a notícia sobre a casa. Esse Governo maravilhoso do “nosso pessoal” pensava em tudo. Tava muito certo o “apelido” do negócio “minha casa minha vida”. Construíram num ligeirão não muito confiável, mas a prestação era baixa. Não tinha saneamento, faltava pavimentação. Esqueceram de fazer uma quadra de esportes e explicaram as autoridades que, com escola, ficaria muito caro. Lamentou mas se o pessoal do Governo – que era amigo da gente – disse isso, deveria ser verdade.

O operário chegou a chatear-se em face do acontecido com seu filho mais velho. Guri estudioso mas só passou no vestibular de uma Universidade privada. A mensalidade é cara mas existe o empréstimo do FIES (a gente só paga depois de formado). Era o Governo da “cumpanheirada”. Aliás, a essa altura, o Anônimo já se filiara ao PT e militava com uma camiseta vermelha da CUT).

Faceiro mesmo ele ficou quando leu um panfleto dizendo que “operário agora era classe média e classe média viaja de avião”. Ele nunca vira de perto um avião; se deliciava em viajar de ônibus. Nunca esqueceu de uma em que fora num executivo que até TV tinha: um luxo. Ficou com a propaganda no fundão da memória, no arquivo das lembranças esquecidas.

Aí, chegaram nele. Um moço que dizia ser corretor, credenciado pelo Sindicato, trazia tudo pronto (o operário espantou-se: como sabia coisas a seu respeito): o programa era de ida e volta para ele e para a esposa (a 2ª, nova ainda), com hotel reservado no Rio de Janeiro, perto da praia, por quatro noites. Pagaria uma prestação mensal de R$ 65,00 por 40 meses e nada mais. Não teve dúvidas: assinou o contrato. Ficou matutando: falam mal do Sindicato, mas graças a ele estou a conseguir “cada coisa maravilhosa”.

Mas a vibração maior estava por vir. Imaginava o susto feliz da parceira, com lágrimas de alegria, que ele proporcionaria. Aí, sim, que ela iria ficar totalmente “caidinha” por ele. Afinal, mesmo com os 27 anos de diferença de idade. Seria a favor (ou contra?) ele.

O operário anônimo ganhou nome. Chamava-se João Eustáquio e achou uma boa a abertura das farmácias populares: até remédio de graça se conseguia (outros, bem baratinhos). Enquanto isso, havia emprego bastante e a inflação controlada.

Lembrou-se de um filme que o deixara emocionado, mesmo não entendendo certas passagens: “La clase operaia vi in Paradiso”. Disseram-lhe que era realismo crítico. Está bem, pensou. Sabia apenas que o filme o fizera verter algumas lágrimas.

Foi quando as coisas começaram a mudar. Tinham roubado tanto – quadrilhas oficiais – que a Petrobrás praticamente falida e as suas ações viraram uma miséria. Era seu tempo de vida e sua poupança que lhe tinham roubado.

A casa mal construída estava inacabada. A construtora não recebera o valor devido pelo Governo Federal e parara a obra. A paisagem era desoladora. O jovem que acreditava no FIES ficou sabendo que o seu contrato não fora renovado. O dito virou não dito e esconderam a verdade. Era o futuro que lhe furtavam.

O corretor da viagem aérea desapareceu. Voou. Era tudo uma farsa. As farmácias populares próximas fecharam; outras vendiam pelo preço caro das farmácias tradicionais. Tudo subia e seu salário minguava cada vez mais. A rádio dizia que nos postos de saúde não havia médicos e o povo esperava até 6 meses por uma consulta.

Multiplicaram-se as notícias de empresas fechando. O Governo era um fracasso absoluto. A corrupção era doença oficial que, combatida, atingiu em cheio autoridades (e ex) que tinham sua falsa honestidade desmascarada.

João Eustáquio sentindo que fora enganado e, ao perder o emprego (que tinha ha 25 anos), apercebeu-se que a classe operária, explorada por falsos líderes, não iria ao Paraíso.

Ele fora a vítima, dos que diziam ser os seus padrinhos e parceiros. Abatido, a conta de sua desesperança, sofreu pelo quanto fora enganado e usado por quem se dizia amigo e correligionário. Enfim, trabalhador é que pagou, paga e pagará a conta dos desonestos travestidos “cumpanheiros”. Talvez, por essas e por outras que Napoleão Bonaparte sentenciou: “é muito melhor ter inimigos declarados do que amigos velados e falsos”.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/o-paraiso-do-cumpanheiro/ O paraíso do “cumpanheiro” 2016-04-21
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