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Por Redação O Sul | 9 de novembro de 2018
Transições de governo naturalmente produzem declarações desencontradas dos eleitos e de suas equipes, que ainda estão em processo de adaptação às novas funções e responsabilidades. No caso do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), a tendência é agravada pela ligeireza de sua retórica populista, que ignora complexidades das políticas públicas e aborda temas delicados sem medir palavras.
Dentre os erros mais brandos apontados por especialistas estão os que resultam de sua inabilidade vocabular. Nessa categoria está a afirmação do presidente eleito de que seria preciso “renegociar” a dívida pública. “A ideia soa tão estapafúrdia no programa do novo governo que logo se entendeu tratar-se de tropeço na linguagem”, criticou um editorial publicado nessa sexta-feira pelo jornal paulista “Folha de S.Paulo”, sob o título “Retórica de Transição”.
Precipitação
Um degrau acima surgem o que parecem ideias precipitadas pela falta do que dizer em entrevistas ou aparições públicas. É o caso da volta da educação moral e cívica aos currículos escolares ou das críticas ao décimo-terceiro salário, ambas da lavra do vice, ex-general Hamilton Mourão, ainda durante a campanha.
Quanto à primeira, a criação e a extinção de disciplinas não se dão por um ato de vontade da autoridade política. Trata-se de algo que depende de estudos de viabilidade e debates entre gestores e docentes. Há anos se examinam, nesse sentido, bases curriculares para os ensinos médio e fundamental.
Quanto ao décimo-terceiro salário, nem mesmo se compreendeu o objetivo das elucubrações de Mourão. A regra trabalhista foi descrita em palestra como um fardo para as empresas, quando consiste apenas em estabelecer o número de parcelas da remuneração dos empregados.
Ignorância
Mais preocupantes são os equívocos decorrentes de um desconhecimento mais profundo de como funcionam o governo e as estruturas de Estado. Aí se encaixa a recente queixa de Bolsonaro contra a metodologia de cálculo do desemprego adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Suas considerações eram, no mínimo, improcedentes. Diferente do que ele disse, quem recebe Bolsa Família não faz parte, automaticamente, do contingente de ocupados. Pior ainda, o presidente eleito demonstra ignorar totalmente que estatísticas do gênero seguem critérios desenvolvidos ao longo de décadas, nos quais se baseiam a elaboração de séries históricas e comparações internacionais. Não é coisa que se mude, portanto, ao gosto do chefe de ocasião.
Reação
A declaração polêmica sobre o Bolsa Família foi feita na segunda-feira, em entrevista a um programa da TV Bandeirantes. Na oportunidade, Bolsonaro criticou a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE, chamando de “farsa” os dados sobre desemprego do Instituto.
“Quem recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, mas uma taxa de empregados no Brasil”, declarou o presidente eleito.
O Instituto reagiu com uma nota oficial, frisando que cerca de 2 mil agentes atualizam os dados que são compilados a cada trimestre, sendo uma das pesquisas mais avançadas do mundo. “A PNAD Contínua investiga as condições do mercado de trabalho do País a partir de uma amostra com mais de 210 mil domicílios, distribuídos por cerca de 3.500 municípios. Esta amostra é visitada, a cada trimestre, por cerca de 2 mil agentes de pesquisa”, diz um trecho do texto.
“São informações cruciais sobre os trabalhadores, inclusive aqueles sem vínculo de trabalho formal. Trata-se de uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Desde 2012, sua coleta está totalmente digitalizada”.