Terça-feira, 26 de agosto de 2025
Por Redação O Sul | 25 de agosto de 2025
A discussão sobre a exposição infantil nas redes sociais e a monetização com conteúdo de menores – tema que ganhou repercussão no Brasil com um vídeo do youtuber Felca e levou a Câmara a aprovar um projeto que amplia a proteção de crianças e adolescentes nas plataformas – foi objeto de uma lei pioneira proposta pelo então deputado Bruno Studer na França. A reforma no Código Civil do país europeu, aprovada em fevereiro de 2024, prevê que os pais devem proteger em comum acordo o direito à imagem dos filhos e, em casos extremos, existe a possibilidade de proibição judicial quando houver desacordo.
Em entrevista ao jornal O Globo, Studer, que é professor e deixou o cargo no ano passado, alerta para a dificuldade na negociação com as plataformas digitais e para os perigos da hiperexposição de menores na internet. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
– Como o senhor percebeu um vácuo legislativo neste tema? “O meu trabalho neste segmento começou quando, em 2018, passei a elaborar uma lei para regulamentar a questão dos influenciadores mirins e a monetização com publicidade. Entendi que precisaríamos elaborar uma estrutura legal para essa relação de trabalho entre pais e filhos. Na investigação, descobri vídeos com pegadinhas com crianças e que metade das imagens em fóruns pornográficos de menores havia sido coletada nas redes sociais após os parentes publicarem. Isso inspirou a minha terceira lei, que trata sobre a proteção da imagem das crianças e adolescentes.”
– Qual o princípio basilar da lei? “Ela visa alertar os pais de menores para tomarem cuidado, pois muitos não sabem que estão colocando os filhos em risco. Os adultos do século XXI precisam zelar pela privacidade das crianças e adolescentes. Não há como apagar o que foi publicado, mesmo que, quando mais velho, o jovem não goste da foto. Envelhecer é muito difícil, e isso se torna ainda mais complicado se não podemos esquecer o que fomos antes e não gostaríamos que fosse mostrado. Além disso, as imagens são dados que serão usados por inteligências artificiais.”
– Esta lei pioneira chega a proibir que os pais postem fotos dos filhos? “Não. Ela é uma maneira de educar os responsáveis pelos menores sobre os perigos e a violação da intimidade dos filhos. É uma orientação. Não uma forma de punição.”
– Mas há previsão de julgamento em certos casos. Como o senhor lida com críticas de que esta seria uma ação excessiva ou que pune os pais ao invés do criminoso que se aproveita das imagens? “Entendo a crítica, mas a legislação já pune a pedofilia. Pela lei que propus, os casos que chegam ao juizado são extremos, em que os pais simplesmente não respeitam a dignidade dos filhos. Nesses contextos, o juiz pode dizer: “ok, vocês não têm mais permissão para tirar fotos dos seus filhos”. Caso haja descumprimento, esses adultos serão penalizados por um juiz da vara da família e há possibilidade de o exercício do direito à imagem dos filhos ser delegado a terceiros.”
– Um dos problemas citados é a monetização com a imagem de menores? “É uma questão difícil de regulamentar, pois em alguns casos pode haver um entendimento dúbio se aquilo é um trabalho do menor ou não, como em vlogs familiares. As crianças são filmadas durante o dia, à noite, quando estão doentes ou quando são punidas pelos pais. Quando completarem a maioridade, os jovens podem, inclusive, processar os parentes por isso. Precisamos mundialmente encontrar uma boa estrutura legal para proteger o aspecto financeiro. Na França, desde 2020, existe uma conta bancária especial para onde vai todo o dinheiro que o menor ganha com a internet e só poderá ser recolhido aos 18 anos. Mas é um sistema com desafios e precisamos levar em consideração que parte do dinheiro pode vir de forma ilegal, sem que haja uma fiscalização. O papel dos pais é proteger os filhos, não ganhar dinheiro com a imagem deles.”
– Há uma dificuldade de entendimento sobre a nova realidade digital? “Quando eu era criança, meus pais me diziam para não entrar no carro de um desconhecido, mas não falavam para não publicar fotos nas redes sociais porque não existia internet. Precisamos desenvolver novos hábitos para a proteção dos mais vulneráveis.”
– No Brasil, uma série de projetos busca medidas mais firmes de proteção a menores na internet. Qual caminho os legisladores daqui devem seguir? “Estou muito grato porque um influenciador como o Felca ajudou a pautar essa discussão no Brasil, que é um dos maiores países do mundo. Seria interessante que os políticos busquem legisladores de países como França e Estados Unidos, que têm leis a esse respeito. É importante lembrar, no entanto, que a proteção infantil pode ser diferente em cada país por conta das legislações locais.”
– O senhor vê responsabilidade das big techs nesta questão da adultização? “Com certeza. Mas essa é uma questão muito delicada, porque essas empresas não são francesas ou brasileiras. Não acho que devamos ter muita esperança em uma mudança por parte delas, porque elas monetizam com a economia da atenção, e crianças trazem muita interação, são boas ferramentas para essas plataformas fazerem dinheiro.”
– Como o senhor entende o movimento mundial da direita contra a regulação das redes? “A única forma de buscar alguma regulação é por meio da união dos diferentes campos políticos e países. Só assim poderemos ter poder suficiente para negociar com as plataformas. Muitas vezes, partidos de direita querem encontrar soluções sozinhos.” As informações são do jornal O Globo.