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Por Redação O Sul | 20 de maio de 2019
Companhias aéreas e até representantes do governo estão preocupados com o decreto sobre porte de armas assinado há duas semanas pelo presidente Jair Bolsonaro. Eles entendem que o presidente pretende permitir o embarque de pessoas armadas a bordo de aeronaves comerciais, o que poderá levar companhias aéreas estrangeiras a cancelarem voos para o Brasil, aumentando os preços das passagens.
Técnicos do governo dizem que foram surpreendidos pelo decreto e que tentam encontrar uma saída para evitar o rebaixamento do Brasil na auditoria que será feita pela OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) na semana que vem.
Na inspeção, serão analisados documentos e a aplicação das normas de segurança internacional nos aeroportos.
A OACI pode emitir um alerta para os quase 200 estados-membros informando riscos eventualmente identificados.
Hoje, a nota do Brasil para “segurança contra atos de interferência ilícita” é de 97% e cabe à Anac (Agência Nacional da Aviação Civil) definir todos os processos de segurança nos aeroportos.
O artigo 41 do decreto retira da agência esta competência, transferindo-a para os Ministérios da Defesa e da Justiça. A lei só passará a valer depois que as duas pastas regulamentarem o decreto definindo as regras de embarque de passageiros armados.
Os ministérios vão estabelecer normas de segurança para controlar o embarque de pessoas armadas, regulamentar situações em que policiais federais, civis e militares, além de integrantes das Forças Armadas e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) poderão portar arma de fogo a bordo, além de estabelecer procedimentos de restrição e condução de armas por pessoas com porte.
Com esta mudança, os técnicos dizem acreditar que o Brasil sofrerá, inevitavelmente, um rebaixamento.
No ano passado, a Anac emitiu uma resolução que endureceu as regras para embarque de pessoas armadas. Até então, o embarque armado era permitido em razão da prerrogativa de função. Para policiais federais, por exemplo.
Segurança
Técnicos da agência ponderam que o texto foi baseado na regulamentação americana e canadense e que a revisão foi motivada pela necessidade de se adequar à regulação internacional.
As notas de segurança são um critério importante para a definição das rotas das companhias aéreas estrangeiras.
Um eventual rebaixamento do Brasil pode tornar o País inseguro, fazendo-o deixar de atender critérios de empresas internacionais. Esses protocolos são parecidos com o das regras de governança de bancos que não emprestaram dinheiro para empresas saudáveis, mas que se envolveram na operação Lava-Jato.
Enquanto elas não se enquadraram aos padrões internacionais, não tiveram a torneira do crédito reaberta.
Caso os voos sejam cancelados, os preços podem aumentar por causa do desequilíbrio entre oferta e demanda.
O presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), Eduardo Sanovicz, defende que, como previsto em lei, apenas a Anac tenha poderes para tratar de temas relacionados à segurança de voo.
“Na atual regra, transportamos por ano dezenas de milhares de armas trancadas em cofres a bordo, embarcadas e entregues atendendo demandas das forças de segurança”, afirma Sanovicz.
“Somos radicalmente contrários a qualquer alteração dessas regras porque elas estão alinhadas a práticas internacionais. Qualquer alteração que cause diferenças entre o Brasil e o resto do mundo são prejudiciais ao nosso mercado e à aviação”.
A flexibilização para embarque armado é reivindicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente da República.
Em 2018, ele apresentou um projeto de lei que institui a possibilidade de embarque armado em aeronaves civis ao detentor de porte de arma de fogo. O projeto está na comissão de Segurança Pública da Câmara.
Em vídeo publicado por ele em agosto do ano passado, antes da eleição do pai, Eduardo reclamou dos procedimentos adotados à época pela Anac para embarque de pessoas armadas.
“É uma aberração, algo feito por pessoas que não entendem nada de armas. E, se entendem, se são policiais metidos neste meio, [são] pessoas frouxas, que não têm a coragem de matar no peito para garantir aos seus colegas policiais o direito do embarque armado”, disse o deputado no vídeo gravado no aeroporto Santos Dumont, no Rio.
A Anac diz que ainda está analisando o decreto e não comenta o assunto.
Pareceres emitidos por técnicos da Câmara e do Senado não mencionam este artigo, mas apontam que o decreto excede limites legais.
Em outra frente, está no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da Rede.
O partido argumenta que o decreto do presidente é inconstitucional porque viola o princípio da separação dos Poderes, adentrando em escolhas reservadas ao Legislativo.