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Por Redação O Sul | 16 de setembro de 2021
Desde que imagens de cremações coletivas na Índia e o descontrole da pandemia de covid-19 causado pela variante delta ganharam o mundo, pesquisadores, gestores e profissionais da linha de frente estão em alerta para os impactos no Brasil dessa variante do coronavírus, que é mais transmissível.
Quatro meses após os primeiros registros da mutação do Sars-CoV-2 no País, especialistas dizem que ainda é cedo para dizer que a ameaça foi vencida, mas avaliam que o avanço da vacinação e a manutenção das máscaras têm retardado, por enquanto, a disseminação da delta.
Na Europa, nos Estados Unidos e em Israel, a variante provocou alta de internações e freou planos de reabertura econômica. Estudos já mostraram que uma dose das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, por exemplo, é insuficiente para proteger contra a cepa, mas duas injeções têm eficácia. Os primeiros casos da delta no Brasil foram detectados na tripulação de um navio de Hong Kong ancorado no Maranhão em maio. Até o dia 4 de setembro, o Brasil já registrou 3.290 casos, em 21 Estados.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), explica que mais de um fator fez com que um novo colapso, como o causado pela variante gama — também mais transmissível e identificada originalmente em Manaus — não ocorresse no Brasil.
“Por enquanto, é uma conjunção entre a imunidade dada pela vacina, que é uma imunidade recente, algo muito relevante, porque sabemos que tem uma tendência de queda da imunidade protetora com o passar do tempo, e o surto de proporções estrondosas no primeiro semestre com gama, que pode ter causado uma imunidade também”, explica. Entre março e maio, o Brasil chegou a ser o epicentro da pandemia no mundo, com superlotação de UTIs, falta de oxigênio hospitais e remédios e escalada de óbitos.
Mesmo que a vacinação tenha sido iniciada com atraso em relação aos outros países, o ritmo acelerado de imunização com as doses disponíveis acaba sendo um diferencial do Brasil em relação a outros países que ainda enfrentam entraves para a vacinação da população, que incluem até a baixa adesão por hesitação vacinal. É o caso dos Estados Unidos, onde uma nova onda do vírus tem aproximado o balanço diário de vítimas de dois mil registros.
No entanto, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ter a capacidade de vacinar em locais remotos e em grandes centros, a adesão ao esquema vacinal completo precisa ser intensificada e, com a alta transmissibilidade da delta, é possível que os índices de vacinação para que a população esteja mais protegida contra a doença tenham de ser mais altos do que o que era imaginado.
Nos últimos dias, o Brasil tem enfrentado dificuldade para acelerar a aplicação da segunda dose da AstraZeneca, diante de uma crise de desabastecimento, mas a Fiocruz voltou a realizar entregas na última terça (14). Além disso, há dificuldades de garantir que aqueles imunizados com a primeira dose voltem aos postos de saúde, para uma nova aplicação: há mais de 8,5 milhões de faltosos, segundo levantamento do ministério realizado no mês passado.
Para João Gabbardo, coordenador Executivo do Comitê Científico que assessora o governo paulista, a vacinação teve impacto importante para evitar uma explosão de casos, assim como o fato de o País ainda manter a obrigatoriedade do uso de máscaras e de distanciamento social.
“O aumento da variante ocorreu com a cobertura vacinal bem alta. O segundo ponto é que o Brasil, diferentemente de outros países, não tinha dispensado o uso de máscaras e liberado aglomerações. Os outros países festejaram antes da hora, comemoraram o gol antes de terminar o jogo.”
Gabbardo reforçou que é cedo para acreditar que a delta não é capaz de levar a uma nova alta de casos, mas que a chegada da variante em níveis menos devastadores neste primeiro momento foi um alento. “Todos os países que enfrentaram essa variante têm claro que as pessoas que tiveram casos graves e foram para o hospital não estavam com o esquema vacinal completo”, alerta.
Para o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pode ser que o País esteja apenas algumas semanas atrasado e, portanto, que veja a situação sair de controle em breve. Outra possibilidade é que a delta esteja causando menos impacto no Brasil por uma combinação de dois fatores: elevada taxa de vacinados com pelo menos uma dose somada à alta parcela da população que já foi infectada.
Conforme a delta ganha força, se discute se a estratégia adequada para evitar uma onda de casos graves seria aplicar doses de reforço nos imunossuprimidos ou acelerar a vacinação de adolescentes. “Sob o ponto de vista individual, é melhor ter a terceira dose; sob o ponto de vista coletivo, é melhor ir atrás dos não vacinados”, diz Hallal. “O ideal é ter vacina suficiente para fazer as duas coisas ao mesmo tempo”.