Sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Por Melissa Telles Barufi | 22 de agosto de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Neste exato momento, um pai pode estar desesperado, tentando que seu filho, levado para outro país, seja devolvido. Uma mãe, em lágrimas, tenta se defender: não se trata de sequestro internacional, mas de proteção. Ela foi violentada pelo próprio pai da criança. E, no meio deste embate, está o filho, esticado de um lado a outro, como um puxa-puxa de rapadura de Santo Antônio da Patrulha.
Essas histórias, que parecem distantes, estão no centro do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da aplicação da Convenção de Haia sobre Subtração Internacional de Crianças, assinada pelo Brasil em 2000.
O tratado prevê, como regra, a restituição imediata da criança ao país de residência habitual, sempre que um dos pais a retira do exterior de forma ilícita. A intenção é legítima: evitar que disputas de guarda se transformem em sequestros internacionais. Contudo, o próprio texto da Convenção abre exceções: o retorno não deve ocorrer quando a criança estiver exposta a risco grave físico ou psicológico, ou a uma situação intolerável.
É nesse ponto que o STF foi provocado a se manifestar. O que os ministros discutem agora é se a violência doméstica contra a mãe pode ser reconhecida como uma dessas exceções. Até o momento, a maioria já acompanhou o relator, ministro Luís Roberto Barroso, que defendeu que a agressão contra a genitora repercute no ambiente familiar como um todo, atingindo também a criança.
Isso não significa, no entanto, que a Convenção de Haia deixe de ser aplicada em casos de violência contra a mulher. A decisão do STF não cria uma imunidade automática. O que se afirma é a necessidade de cautela: cada caso deve ser analisado individualmente, com indícios concretos de violência, antes que se determine a devolução.
Na prática, o Supremo busca harmonizar dois pontos: a obrigação internacional assumida pelo Brasil e a prioridade absoluta de proteção da infância prevista no artigo 227 da Constituição. Trata-se de interpretar a Convenção de forma compatível com a realidade brasileira, sem transformá-la em fonte de injustiça.
O julgamento ainda não foi concluído, pois restam os votos da ministra Carmen Lúcia e do ministro Gilmar Mendes. Todavia, a maioria já está formada, e uma mensagem se impõe: a questão não é escolher entre homens e mulheres, nem acirrar a guerra de narrativas entre gêneros. A questão é proteger crianças e adolescentes.
No fim, o que está em jogo não são tratados nem estatísticas, mas infâncias. E estas não podem ser disputadas de um lado a outro como uma rapadura em disputa.
Melissa Telles Barufi
Advogada com foco na família parental
Julgadora do Tribunal de Ética da OABRS
Fundadora do Instituto Proteger
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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