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Por Redação O Sul | 30 de junho de 2019
Em 1994, o Plano Real começava a deixar para a História a hiperinflação, que acumulava quase 5.000% em um ano, mudando radicalmente os hábitos dos brasileiros no supermercado, no banco e no cotidiano com a recuperação da confiança na moeda. Hoje, 25 anos depois da estabilização, o brasileiro experimenta uma nova revolução na sua relação com o dinheiro: a digitalização de operações financeiras. As informações são do jornal O Globo.
Cada vez mais transações, incluindo as mais cotidianas, são feitas sem o uso de dinheiro vivo. A mudança vem acontecendo aos poucos – e não praticamente da noite para o dia, como foi no 1º de julho de 1994 com o início da circulação do real – e terá impacto não só nos hábitos dos brasileiros, como também na economia. A digitalização e as inovações financeiras, dizem os analistas, ajudarão na redução dos juros e na expansão do crédito.
Em apenas dois anos, 15 milhões de contas digitais foram abertas no Brasil, o que representa 10% do total de 155 milhões do país. Somente entre 2017 e 2018, os pagamentos de contas pelo celular cresceram 80% e as transferências, 119%. Ambos já são mais frequentes em smartphones que nos computadores. Para especialistas, essa nova realidade tem consequências que permitem paralelos com a ruptura provocada pelo real. Se antes da moeda forte ninguém guardava dinheiro na carteira por muito tempo porque o preço do feijão era um de manhã e outro de noite, hoje cédulas perdem espaço para cartões e aplicativos guardados no celular.
Raul Miyazaki, diretor para a Indústria de Serviços Financeiros da Deloitte, observa que o avanço das tecnologias financeiras no Brasil só é possível na velocidade atual por causa da moeda estável e do sistema bancário saudável, conquistas do Plano Real.
“A estabilização da moeda permite que as pessoas se planejem. A regulamentação torna forte o sistema financeiro. Sem essas duas coisas não adianta ter a melhor tecnologia.”
Segundo Silvio Marote, sócio da Bain & Company, a revolução tecnológica acontece mesmo em países onde não houve estabilização, como a Argentina. No entanto, o legado do Plano Real proporcionou ao país uma atratividade para investimentos em soluções de tecnologia que não seria possível sem ele.
“Em um cenário de inflação alta, o nível de juros mudaria a relação entre risco e retorno. Muito possivelmente, os investidores não teriam a mesmo apetite apresentado hoje. Além disso, pensando nos consumidores, o acesso a bens tecnológicos tenderia a ser menor, reduzindo a base de alcance para esses novos serviços e soluções”, observou.
Cédulas e moedas não fazem parte do cotidiano do estudante de Publicidade Daniel Oliveira. Aos 23 anos, a maioria dos seus serviços bancários está no celular. Sair de casa sem dinheiro no bolso não é problema para ele. O transporte é pago com cartões de recarga que não existiam na época da inflação. Se precisar comprar algo, o importante para ele é ter boa conexão de internet e encontrar um estabelecimento que aceite pagamentos eletrônicos, por aplicativos ou por cartões. A multiplicação de maquininhas pelo comércio facilita a vida de Daniel, mas ele ainda espera mais: pensa não mais na extinção do dinheiro, mas dos cartões.
“Gostaria que todas as lojas tivessem algum aplicativo para fazer os pagamentos. Seja por transferência ou leitura de QR Code”, diz Daniel, que já passou sede na rua sem achar alguém que venda refrigerante com cartão ou se surpreendeu quando tomou um táxi e o motorista pediu pagamento em dinheiro no fim da corrida.
Já a mãe dele, a técnica de radiologia Cristiane Oliveira, de 51 anos, não sai sem dinheiro na bolsa, mesmo com a carteira cheia de cartões. Ela e Daniel se diferenciam até na hora de economizar. Ele busca vídeos na internet com indicações de investimentos e usa o celular para fazer aplicações. Já chegou a investir em criptomoedas, como o bitcoin, mas hoje deixa o dinheiro em um CDB. Ela faz aplicações seguras, como títulos públicos, mas só depois de ir ao banco ouvir conselhos do gerente.
A maior cautela de Cristiane está ligada à memória dos tempos de inflação alta, algo que o filho nunca viu. Foi na transição para a estabilidade que ela aprendeu o valor da moeda estável. Só em junho de 1994, a inflação foi de 47%. No mês seguinte, com a substituição do cruzeiro real pelo real, caiu a 6,84%. Hoje, gira em torno de 3,5% – ao ano.
“Na época da inflação, a relação com dinheiro era de quantidade, não de qualidade. Eram cifras muito altas para comprar coisas simples, do dia a dia. Você nunca sabia quais seriam os preços amanhã. Lembro que meu pai comprava caixas fechadas de biscoitos, para tentar garantir o melhor preço”, recorda Cristiane. “Desde que me casei e tive filhos, nunca estoquei produto.”