Quarta-feira, 30 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 26 de fevereiro de 2022
O Brasil produz soja, mas, antes de o grão ser plantado, o país importa fertilizantes da Rússia (e outros países) para preparar o solo e aumentar a produtividade do plantio. O Brasil fabrica automóveis, mas eles só saem das fábricas depois que semicondutores produzidos em Taiwan abastecem as linhas de produção.
Se em 2020 e 2021, a pandemia da covid-19 desestruturou diversas cadeias globais de produção, provocando inflação e crescimento fraco, a invasão da Ucrânia pela Rússia introduziu um componente geopolítico nessa equação. E elevou seus riscos.
Rússia e Ucrânia respondem, juntos, por 28% da produção mundial de trigo e 20% da oferta de milho, enquanto a Rússia detém 13% do mercado mundial de fertilizantes e 12% do de petróleo. Além disso, o país governado por Vladimir Putin também é um importante fornecedor de minérios, como paládio e níquel.
Por isso, uma pergunta entrou no radar dos analistas: além do aumento de preços, o conflito pode afetar as cadeias de suprimentos e agregar mais instabilidade à economia mundial? E como isso afeta o Brasil?
Analistas não veem – por enquanto – medidas reais que afetem o fornecimento de insumos para a indústria e o agronegócio. Há muita incerteza com os desdobramentos da guerra entre Rússia e Ucrânia, mas a dependência que a Europa possui do gás russo faz diferentes analistas estimarem sanções produtivas brandas por parte de Estados Unidos e Europa.
Depois de uma quinta-feira (24) tensa e de forte alta de preços, a sexta-feira (25) atenuou um pouco a percepção de risco entre os analistas.
Mas, é claro, houve impactos, e eles foram sentidos de forma intensa nos preços de diversas commodities, como petróleo, trigo e milho. A expectativa é de novos aumentos.
Se a alta dos preços pode ajudar setores e empresas produtoras desses bens e elevar sua rentabilidade, tem como contraponto o aumento da inflação e o risco de uma desaceleração adicional da economia brasileira e mundial.
Fertilizantes
A balança comercial do Brasil com a Rússia é concentrada em poucos produtos nas duas pontas, e há uma dependência da importação de fertilizantes, insumo fundamental para a produção agrícola brasileira, enquanto o comércio exterior com a Ucrânia é pulverizado e sem riscos estratégicos.
Rússia e Bielorrússia (Belarus) atendem metade da importação brasileira de cloreto de potássio, tipo de fertilizante com poucos fornecedores mundiais. O Brasil importou US$ 5,7 bilhões da Rússia no ano passado, dos quais 62% de fertilizantes (incluindo o potássio).
Problemas com o fornecimento da Bielorrússia já começaram no ano passado, e a expectativa é que uma parte dessa importação possa ser direcionada do Canadá, mas a margem é pequena.
Pela dependência, o impacto na oferta de fertilizantes para o Brasil está sendo monitorado. “Em um primeiro momento o que vamos ver, como já aconteceu no primeiro dia do confronto, é aumento dos preços”, diz Bruno Fonseca, analista de insumos e defensivos agrícolas do Rabobank.
“Por enquanto não vimos nada em sanções que afetem o setor de fertilizantes”, explicou.
O preço da tonelada da ureia, importante matéria-prima para fertilizantes importada da Rússia, subiu quase US$ 200 no primeiro dia de confronto, de US$ 570 para 750, conta o analista (cloreto de potássio não tem cotação em bolsa).
Já o risco de oferta, pondera, está associado a um elemento que ainda não está claro no cenário mundial: quais serão as sanções que Estados Unidos e Europa podem impor à Rússia. Na quarta-feira, a percepção de risco de oferta no segmento de fertilizantes era baixa; passou para “super alta” na quinta-feira e, na sexta-feira, ainda era alta, mas menor que na quinta-feira, diz o analista.
Mauro Osaki, pesquisador da área de custos agrícolas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, lembra que a guerra é o “terceiro elemento” a impactar o preço dos fertilizantes em um curto espaço de tempo. Antes vieram o preço do gás e a pandemia.
Como consequência, o preço do cloreto de potássio triplicou em pouco mais de um ano. No acompanhamento que ele faz do preço em reais para o agricultor brasileiro (e já deflacionado pelo IGP), a tonelada passou de R$ 2.569 para R$ 6.360 entre janeiro e dezembro de 2021.
Encontrar um substituto para fornecer cloreto de potássio, diz, é difícil porque são poucos produtores de peso no mundo, enquanto o leque de fornecedores de ureia é amplo e o Brasil teria condições de substituir a fatia russa.