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Colunistas Ainda e sempre a questão do politicamente correto

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Sempre há textos e contextos. Isto é, para haver uma infração deve haver o exame da intenção. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Não tenho receio de enfrentar temas complexos. E nem de andar na contramão do discurso fácil. Também tenho histórico de luta pelos direitos humanos. Com mais de 70 livros escritos, o que penso está em todos os lugares.

Há dias assisti a uma entrevista de Mia Couto, famoso escritor (branco – já entenderão as razões do uso da palavra) nascido em Moçambique. Sua escrita é essencialmente humanista. Indubitavelmente humanista.

Escreveu muitos livros. Por exemplo, “O bebedor de horizontes” retrata a saga final do imperador moçambicano Gugunhana. É uma trilogia. Ele conta, em entrevista, que o livro iria ser traduzido (não sei se foi) na Alemanha. E a tradutora professora alemã telefonou e disse: Professor, veja, temos dificuldade para traduzir alguns termos que você usa. Há uma “fiscalização de linguagem” muito forte. Não dá para escrever “individuo com excesso de pigmentação”, perguntou a tradutora?

Mia Couto disse à tradutora: Difícil então. Melhor é, então, não traduzirem o livro, complementou.

Em outra entrevista, perguntaram a ele: “O senhor também critica o politicamente correto, que nos coloca a reboque de preocupações cosméticas, como se as palavras por si só fossem mudar a realidade. Na sua visão esse é um recurso hipócrita”?

Mia responde: “Sem dúvida, sou muito contra isso. Em alguns casos, obviamente a palavra também está mal. Mas, no geral, essa ideia do politicamente correto, de pensar que a palavra vai alterar o conceito e o preconceito é uma coisa importada, que vem de um mundo anglo-saxônico, com uma postura religiosa, fundada no protestantismo. Lembro a primeira vez que eu visitei os Estados Unidos, e um colega meu, escritor como eu, de origem étnica negra, fez uma palestra. E ele fez uma série de gafes, sem saber, porque usou termos que não eram “corretos” ao designar sua própria raça. E a seguir nos entregaram uma espécie de pequeno dicionário, com uma pequena lista, com o que se devia dizer. Eu recordo bem que já não se poderia se dizer “cego”. Dizia-se “visually challenged”, o que é uma coisa extraordinária. Eu acho que nunca conseguiria dizer, mesmo sendo escritor (risos).”

Por que escrevo isso, quase como uma trilogia? Para falar do episódio envolvendo a narração de Haroldo de Souza da Rádio Grenal que chamou o repórter para saber quem era o “crioulinho” que joga no lado esquerdo do time do Santos. Na sequência, disse “moreno” e “pessoa de cor”, coisa que Galvão Bueno fez várias vezes. Não quero, aqui, incentivar o politicamente incorreto. Nem dizer, moralisticamente, como as pessoas devem falar.

Sigo. Primeiro, temos de sempre ver texto e contexto. Quem conhece Haroldo sabe que não é racista. E o modo como ele falou não denota e nem conota manifestação preconceituosa e ou racista.

O que quero dizer? Que sempre há textos e contextos. Isto é, para haver uma infração deve haver o exame da intenção. Não há crime ou até mesmo infração ética sem que haja específica intenção. Em direito chamamos a isso de “dolo”, vontade de fazer algo que prejudique a pessoa.

O Grêmio já sofreu muito por injustas acusações ao clube pelo episódio Aranha. É um exemplo de como não se deve fazer raciocínios de varejo e transpor para o atacado.

Quando fazemos críticas ao uso de uma linguagem, temos de ver se o enunciado é locucionário, ilocucionário ou perlocucionário, como diz John Austin, o linguista e não o jurista.

Existe, na Teoria de Austin, o ato locucionário que diz algo, o ato ilocucionário que realiza uma ação ao ser dito, e o perlocucionário, quando há a intenção de provocar nos ouvintes certos efeitos (convencer, levar a uma decisão etc.). Não percebo na fala de Haroldo qualquer desejo de causar efeito na torcida, enfim, nos ouvintes. Simples assim.

Por isso é que talvez o texto mais importante de Austin seja “How to do Things with words” (Como fazer coisas com palavras). Tenho certeza de que Haroldo não quis fazer coisas com palavras. Não fez uma fala perlocucionária.

Portanto, sou da luta. Sou parceiro. Mas sou da linha do Mia Couto. E de Hélio Schwarzman, sobre o qual escrevi há dias aqui.

E não creio que alguém vá dizer que Mia Couto é racista, certo?

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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