Lenio Streck Basta dizer “desligue a TV”? Reflexões do “leniocentrismo”!
Por Lenio Streck | 15 de maio de 2021
Outro dia escrevi nesta coluna hebdomadária um breviário sobre a mediocridade que é a TV brasileira. Mostrei que a TV à cabo hoje tem mais comerciais que a TV aberta. E a TV à cabo é paga. Por qual razão tem os comerciais se pagamos pelo TV à cabo?
Também demonstrei a neopicaretagem “sacral” advinda de um conjunto de igrejas – da católica à mais nova pentecostal (surge uma nova a cada seis meses, segundo pesquisa) – as quais, além de venderem indulgencias e curas milagrosas, agora vendem remédios e colchões. Leva menos de um dia para abrir uma Igreja. O jornalista Helio Schwartzman fez uma experiência. Fundou em algumas horas a Igreja Heliocêntrica. Sua denuncia caiu no vazio.
Vou fundar a Igreja Leniocêntrica. Na verdade, será uma “seita” – “(a)seita” cartão e pix (desculpem o s do “aseita”)!
Jesus faria uma limpa. Vendilhões do templo. Ao pé da letra. Tem um padre com pinta de galã que vende vários remédios e medalhinhas. O padre tem a sobrancelha bem arrumada. Bom, pelo menos ninguém pode dizer que ele não cuida da aparência. Antigamente se diria: é um “pão”.
Esses dias vi um sujeito “depondo” a uma dessas novas “igrejas”, que dizia: mesmo sem receber no emprego, não deixei de pagar o dízimo. E o pastor vibrava, respondendo: “ – não pagar o dízimo é coisa do demônio”. A Seita Leniocêntrica vai escrever um “Manual do leniocentrista”, em que estará bem delineado o que é coisa do demo e o que não é.
Outra dessas “religiões” contabilizava – vi isso durante a semana – mais de 30 mil curados da COVID. Curados pela oração. Sai desse copo, Covid. Sai prá lá, coisa do demo.
Sim, o mundo corre atrás de vacinas e a igreja do pastor Bafodeoança tem a cura. Mas são várias que curam Covid. Um deles está sendo processado por vender semente curativa.
Hospitais de todo mundo! Uni-vos e corram até a igreja do santo lencinho benzido. Da rosinha-ungida-pelo-orvalho-recolhido-na-relva à beira do Jordão por freiras albinas antes do nascer do sol.
Outro pastor fala palavras em aramaico ou coisa assim. Erudito! Tão verdadeiro quanto uma nota de 3 reais. É uma atrás da outra. Sem contar com os canais que vendem comida, ensinam a fazer comida e que fazem merchandising de…comida.
E os canais que são opinativos… Os “mervais que sabem tudo”. E lá vem o sujeito que diz: “conversei agora com três senadores. E nos bastidores diz-se que….”.
Difícil. E agora tem um novo programa ultra educativo: no Limite da Paciência do telespectador. Passa numa ilha, com palhaços ex-Big Brothers. Atual já é um problema. Mas “ex-BBB”? Putz. Imitação de programas que passam no resto do mundo – o que confirma que imbecilidade não é privilégio brasileiro. Néscios são universais. E lá vai o sujeito comer minhocas. “ – Ah, preciso de proteínas”. E lá vem um close!
E nos canais estrangeiros, gosto da dublagem. Eles traduzem tudo. Inclusive os palavrões. E aí colocam um sinal sonoro. Ora, por que então traduziram para depois colocar um sinal? Uma idiotice raiz.
Mas alguns leitores da coluna, que são os novos Einsteins (já estão convidados para frequentar minha Igreja para um banho de descarrego epistemológico – paga com pix), têm a solução: “desligue a TV, professor Streck”. Ótimo. Quem diz isso deve passar o dia na outra ponta da tragédia cultural: as redes sociais. É o fator avestruz. O mundo não existe. Milhões de brasileiros assistem. Basta ignorar?
Claro: desligue a TV e passe para as redes. Se você já estava débil, agora vai ter doutorado.
Ora, não é ignorando a tragédia que teremos soluções. Por favor, irmãos (essa coisa pega), não briguem com o mensageiro.
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