Terça-feira, 08 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 28 de março de 2022
Havia uma mensagem a todos os russos nos primeiros casos de caça do presidente russo Vladimir Putin aos chamados por ele de “escória e traidores”. Esta mensagem era que ninguém era pequeno demais para passar despercebido.
As autoridades prenderam um técnico do Ministério do Interior por ter conversado sozinho ao telefone. E também prenderam pessoas segurando cartazes em branco em oposição à guerra; uma mulher que usava chapéu com as cores da Ucrânia, amarelo e azul; e um carpinteiro siberiano em Tomsk, identificado como Stanislav Karmakskih, que segurava um pôster de uma obra de arte de Vasili Vereshchagin, chamada “A Apoteose da Guerra”.
Uma conhecida blogueira russa de gastronomia, Nika Belotserkovskaia, foi uma das três primeiras pessoas a enfrentarem acusações devido à lei da Rússia contra notícias “falsas” da guerra depois que seu feed no Instagram deixou de exibir trufas e vinho rosé e passou a mostrar imagens de crianças refugiadas ucranianas. Ela se encontra fora da Rússia.
A velocidade da transformação do país para a “autopurificação” ao estilo soviético tem sido surpreendente. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no mês passado, a TV estatal fez propaganda por todos os lados culpando “neonazistas” e “nacionalistas” ucranianos. Agora, figuras sombrias a favor de Putin pintam as palavras “traidor da pátria” nas portas dos opositores à guerra e outros ativistas.
Na última sexta-feira, uma pilha de excrementos de animais foi deixada do lado de fora da porta da casa da ativista Daria Kheikinen, em São Petersburgo. No dia anterior, uma cabeça de porco decepada e um adesivo com uma mensagem antissemita foram colocados na porta da casa de Alexei Venediktov, editor-chefe da rádio independente Eco de Moscou, estação agora extinta. A rádio foi obrigada a encerrar suas atividades no início deste mês pela estatal Gazprom, que controlava seu conselho.
Do dia para a noite surgiram sites com nomes encorajando os russos a denunciarem “traidores”, “inimigos”, “covardes” e “fugitivos” que se opõem à guerra.
“Escuridão”
Uma das três primeiras pessoas acusadas pela severa lei russa de censura durante o período de guerra foi Marina Novikova, aposentada, 63 anos, com 170 seguidores do Telegram. Um dia após a invasão, com o olhar fixo na câmera e uma mecha de cabelo ruivo caída sobre um olho, ela falou, direto da cidade de Seversk, que possui reatores nucleares e restrições de acesso: “Aqueles que querem pensar e podem pensar serão capazes de sair da escuridão”.
Durante o que ela chamou de sessão de “terapia de choque”, ela falou: “todos [os russos] aprovam a guerra na Ucrânia. Este é o nosso consenso total e silencioso.”
Outros seguiram em direção às fronteiras. Atores, celebridades, empresários, cantores, dançarinos, escritores. Trabalhadores de TI e jornalistas independentes estão entre os que deixaram a Rússia.
A funcionária da televisão estatal Marina Ovsiannikova – a produtora do Channel One que ganhou as manchetes em todo o mundo no dia 14 de março quando exibiu um cartaz contra a guerra durante a transmissão de um telejornal – temia a possível pena de 15 anos de prisão. Mas na sexta-feira, ela foi acusada de um crime de menor gravidade, de desacreditar as forças armadas.
Mais cedo, Kirill Kleimionov, chefe de jornalismo do canal, sugeriu no ar que ela era uma espiã britânica. “Traição é sempre a escolha pessoal de alguém”, disse ele, alegando que Marina não agiu no calor da emoção, mas “em troca de dinheiro”.
No entanto, uma conversa com Marina dá uma impressão diferente. Ela tem muito o que dizer e encadeia os pensamentos com facilidade. Apesar de hesitar em dizer algo que talvez lhe cause mais problemas, acaba falando mesmo assim.
“A propaganda na Rússia tornou-se perigosa. Nosso país está em uma escuridão total agora. Qualquer um pode ser chamado de traidor da pátria ou ‘quinta-coluna’ por simplesmente participar de uma manifestação”, disse ela em entrevista antes da decisão do tribunal.
Apesar do risco de multas e prisão, outros continuam protestando. Mais de 15 mil pessoas foram presas desde o início da guerra.
“O que isso significa?”, tuitou o historiador Ian Garner, especialista em propaganda russa. “Em suma: a erradicação de qualquer pessoa acusada de ser ‘não-russa’ no pensamento ou na cultura.”