Sábado, 17 de maio de 2025
Por Fabiane Vitória da Silva | 1 de março de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
“A família fere os direitos humanos”. Essa frase foi emitida durante a CONAEE 2024 – Conferência Nacional de Educação – em uma das palestras em Brasília. A razão dela estar na abertura do texto, é o convite que faço para chamar atenção para a seriedade desse assunto.
Antes de chegar na CONAEE 2024 e discorrer sobre suas implicações reais nas salas de aula do Brasil e na visão de ser humano e sociedade defendida nas diretrizes impostas durante a Conferência, precisamos voltar um pouquinho na História e entender porque o ideário de esquerda tomou conta da educação e da cultura no percurso até os dias de hoje.
Faz-se necessário falar de Paulo Freire por certo, pois sobre ele sempre recai toda responsabilidade da falência no ensino brasileiro, o que é muito justo. Mas, ao longo da história da educação brasileira, outros educadores, teóricos, filósofos, também fizeram movimentos políticos e protagonizaram as revoluções de pensamento que nos trouxeram até este momento de crise e caos no cenário da educação brasileira.
No Brasil, até o início do século 20, a educação estava sob o comando da Igreja Católica, com sua expansão por meio das escolas confessionais. É com a Era Vargas, que as diretrizes educacionais passam a ser centralizadas, com a criação do MEC, em 1930. Nesta mesma época, um manifesto constitui-se como um marco para a educação brasileira, chamado de “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, apresentando e defendendo os princípios da escola pública, gratuita, laica e, dentre outros, a responsabilização total do Estado pela educação. Nascia dessas ideias a concepção de um Plano Nacional de Educação.
O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que reuniu muitos intelectuais, vai falar pela primeira vez no Brasil que o “conteúdo” não é mais importante, ou seja, o que se deve ensinar deve ceder lugar para como se deve ensinar, o método de ensino passa a desempenhar um papel central em detrimento dos conceitos, dos saberes e do acervo cultural. E essa seria uma via sem volta. Como herança, temos hoje a falácia das teorias sócios-construtivistas que ganharam força mais pelo seu “modismo” do que pelos resultados reais qualitativos.
Nesse contexto, ganha força a concepção de uma educação voltada à qualidade social, e é nesta linha majoritária que vai se dar a produção de conhecimento na área pedagógica nas universidades. O arranjo de inferiorizar o ensino clássico, tradicional, instrucional, vai pautar por gerações a formação de professores, com menosprezo ao seu próprio lugar de ofício, o de detentor do conhecimento acumulado pela humanidade, descentralizando sua figura de educador, negando sua autoridade e sua autonomia. E na medida em que o professor vai perdendo este lugar, a posição do aluno, de “aprendente”, também vai.
Seguindo a História, houve tempo de retorno do ensino clássico nas décadas dos governos militares no Brasil. Entretanto, este ensino só estava presente nas escolas primárias, visto que nas universidades, especialmente nas faculdades de licenciaturas, o que se estabelecia era uma única via de pensamento, todo voltado para as ideias das tendências pedagógicas progressistas, com seu patrono mais conhecido, Paulo Freire. A academia passa então a formar os futuros professores para uma educação de um ideal comum, ou seja, moldar mentes para uma única visão de mundo, o que perdura até os dias de hoje.
Nos últimos anos, mesmo com um governo preocupado em qualificar os índices educacionais do país, como por exemplo os estudos da prática da alfabetização com evidências científicas, não se conseguiu avançar em quase nada nessa verdadeira guerra que é cultural e que está impregnada nas escolas, através da formação continuada dos professores e das ações sindicais no interior das instituições públicas e privadas de ensino, pregando suas posições político-partidárias.
Feita esta breve retomada, fica mais fácil chegar na CONAEE e entender o que aconteceu e porque revelou um plano de doutrinação e de formação de militância. O que se presenciou na CONAEE foi a concretização de tudo que se empreendeu ao longo da história da educação no Brasil, voltada para a formatação de um tipo de sociedade. Sem apontamento de rumo educacional, com os reais interesses e urgências educacionais no Brasil, sem nenhuma preocupação de qualificação acadêmica, o documento final da Conferência é um Plano de Poder e não um Plano de Nação, uma fiel teoria de domesticação de corpos e mentes com vistas a servir ao Estado, mesmo que este afronte os valores e princípios da família.
O ponto central do texto é a criação de um SNE (Sistema Nacional de Educação). Trata-se de uma antiga ambição, sonho de muitos teóricos progressistas, desde o Manifesto dos Pioneiros. No SNE todas as diretrizes educacionais passam a ser ditadas por uma instituição totalitária, que determinará, ordenará o que os estudantes, em qualquer escola do território nacional, seja ela confessional, municipal, cívico-militar, vai aprender e de que forma vai aprender. Toda decisão de acervo cultural e curricular estará nas mãos do Estado. Não haverá mais liberdade de concepções pedagógicas, liberdade de ensinar e aprender, não haverá mais liberdade de se desenvolver na dimensão do indivíduo.
De modo que cabe perguntar: quem serão os especialistas, os atores e entidades que estarão cuidando do futuro das nossas crianças? Quem formará esses conselhos que fiscalizarão as escolas de todo país? O que estes desejam que nossas crianças se tornem? Que futuro de sociedade eles sonham para os filhos desta Nação? Na sua massiva maioria, serão os que pensam que a família fere direitos.
Não se resume em grupos políticos, movimentos, associações, a rejeição integral do texto final da CONAEE, deve ser feita, sobretudo, pela sociedade brasileira. Pelas famílias que criam seus filhos e desejam para eles prosperidade, virtude, desenvolvimento e evolução pessoal para o bem, para o justo e para o verdadeiro. Por todas as pessoas que repudiam e combatem as tentativas de destruição da vida em formação. Perpassa então, por todos nós o dever de ação, um levantar urgente para a verdadeira proteção do futuro, que é cuidar do direito de crescer em liberdade desta geração.
(Fabiane Vitória – pedagoga e cofundadora do Lugar de Criança é na Escola)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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