Segunda-feira, 21 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 16 de março de 2022
Um oligarca russo, um passaporte português e um rabino preso. Ligue essas três pontas para entender o escândalo envolvendo o bilionário Roman Abramovich. Ele obteve em tempo recorde a nacionalidade portuguesa por sustentar ser descendente de judeus sefarditas, que foram perseguidos pela Inquisição e expulsos da Península Ibérica no século 16.
Em apenas seis meses, o bilionário Abramovich, que teve os bens bloqueados no Reino Unido por suas ligações com Vladimir Putin, tornou-se português. Uma investigação do jornal “Público” indica que a comunidade judaica do Porto se beneficiou do processo sumário de concessão da cidadania: o oligarca é um dos financiadores do Museu do Holocausto inaugurado na cidade.
Para os judeus comuns, a regularização da nacionalidade portuguesa costuma levar pelo menos três anos e precisa ser atestada pelos rabinatos de Porto ou Lisboa. Somente os sefarditas – descendentes de judeus originários de Portugal, Marrocos e Espanha – têm direito a ela, por uma legislação de reparação aos que foram expulsos da Península Ibérica durante o período da Inquisição.
Estima-se que 30 mil viviam na Espanha, em 1492, quando os reis Fernando e Isabel obrigaram a conversão ao catolicismo. Milhares fugiram para Portugal, onde também foram perseguidos ou expulsos.
Este, aliás, é outro ponto nebuloso do processo de Abramovich: ele tem herança ashkenazi, termo usado para definir os judeus provenientes da Europa Central e da Europa Oriental. O jornal português constatou que a página do oligarca na Wikipedia foi editada 18 vezes por Hugo Miguel Vaz, curador do Museu do Holocausto do Porto, para incluir referências às suas origens sefarditas.
A falta de transparência mobilizou ativistas e políticos, que pedem a revisão da cidadania portuguesa do oligarca de 55 anos, dono do Chelsea e com patrimônio estimado em US$ 12 bilhões. Ele tem também nacionalidades russa e israelense.
Como português, Abramovich se torna automaticamente cidadão da União Europeia. Por enquanto, o bloco europeu o deixou fora da lista de sanções aplicadas aos oligarcas ligados ao presidente russo Vladimir Putin. Isso, porém, não será empecilho para uma eventual punição, conforme advertiu o chanceler de Portugal, Augusto Santos Silva, ao Parlamento:
“Qualquer cidadão russo, residindo em Portugal a qualquer título, com qualquer tipo de autorização, sendo ou não cidadão português, que faça parte da lista dos sancionados está sujeito à limitação de movimentos em Portugal e ao congelamento dos ativos financeiros”
Embora a cidadania portuguesa tenha sido concedida em abril passado a Abramovich, as desconfianças sobre a lisura do processo cresceram depois que Putin invadiu a Ucrânia e os oligarcas foram execrados pelo Ocidente.
O rabino do Porto, Daniel Litvak, foi detido quinta-feira passada, ao embarcar para Israel, suspeito de ter emitido um documento falso para Abramovich, o que teria facilitado a obtenção da cidadania. A Polícia Judiciária liberou o líder religioso sob a condição de entregar o passaporte e comparecer à delegacia três vezes por semana.
À Sociedade Genealógica Sefardita restou apenas expressar vergonha pelas suspeitas em torno dos processos de atribuição da cidadania portuguesa aos descendentes de judeus e pedir explicações especificamente sobre o caso de Abramovich. Nos últimos seis anos, mais de 56 mil processos de naturalização foram aprovados, de um total de 137 mil solicitados.