Terça-feira, 14 de maio de 2024
Por Redação O Sul | 17 de julho de 2015
O lado A de Erasmo Carlos é puro rock. Já o B revela um sambista de primeira. Em seu novo DVD, “Meus Lados B ao Vivo”, o Tremendão revive pérolas de seu repertório que acabaram apagadas pelos hits. Entre as 22 faixas, pelo menos quatro representantes do gênero genuinamente carioca: “De Noite na Cama”, “Cachaça Mecânica”, “O Comilão” e “Mané João”. “Eu sou da Tijuca, sempre fiz samba, só que as pessoas nunca prestaram atenção. Só querem saber de rock, rock, rock…”, reclama.
Apesar de ser considerado o pai do rock, você também faz samba…
Erasmo Carlos – É, sempre fiz, mas nunca notaram. Já gravei sambas como “Aos Pés da Santa Cruz” e “Aquarela do Brasil”, inclusive. Só que as pessoas nunca prestaram atenção. Só querem saber de rock, rock, rock… Sou um compositor brasileiro, recebo influências de vários ritmos e gêneros.
No projeto gráfico do DVD, foram feitas colagens de recordações suas. Tem muita coisa antiga guardada em casa?
Erasmo – Meus escritos, fotos, reportagens… está tudo aqui. Tenho praticamente uma vida inteira documentada. São mais de 600 composições, imagine quantos manuscritos tenho em cadernos, folhas soltas, guardanapos? Só o papel higiênico que se desfez… Quanto mais comidos por traças, mais bonitos e valorizados ficam.
Você é nostálgico?
Erasmo – Não! Nem nostálgico nem saudosista. Eu vivo o hoje e o amanhã, não fico preso ao passado. Foi tudo lindo e maravilhoso, não vou nunca menosprezar o que vivi. Tudo construiu o homem que sou hoje, e eu amo esse homem aqui. Até o que aprontei de errado foi muito importante, não me arrependo de nada!
Você regravou “Maria Joana”, uma celebração da maconha. É a favor da liberação hoje?
Erasmo – Claro, sempre fui! Mas essas coisas não podem ser ditas de repente, é assunto de resposta demorada. A legalização tem que ser bem pensada e realizada, sem oba-oba. O primordial é a descriminalização. Isso aí já deveria ter sido feito há décadas. Para mim, a não descriminalização da maconha é uma agressão.
Ainda é usuário da erva?
Erasmo – Não. Há muito tempo larguei tudo. Estou careta, com muito orgulho. Não sou radical com nada, acho que tudo pode ser repensado. Ninguém sabe realmente o que é certo e o que é errado nessa vida. O bom senso da gente é que tem que dizer.
O álcool ainda é um problema para você?
Erasmo – Foi um mal que me perseguiu durante muito tempo. O álcool quase acabou com a minha carreira. Não é que eu tenha cortado totalmente a bebida da minha vida, tomo um uisquezinho antes do show, aprecio um vinho. Só não abuso mais. Estar bêbado às 9h da manhã é passado, foi um processo de autodestruição muito grande. Hoje consigo dosar as doses, sem trocadilhos. [risos]
Quando mudou seu pensamento?
Erasmo – Não foi de repente, foi acontecendo. Meus netos nasceram, queriam ficar perto de mim e eu queria que eles me vissem com orgulho.
Aos 74 anos, é um homem saudável?
Erasmo – Graças a Deus, minha saúde está muito boa. Tenho disposição, mente e corpo sãos. Lido bem com a passagem do tempo, acontece com todo mundo. Meus valores são outros, envelhecer não é problema.
Você cantou “Geração do Meio”, que está neste DVD, no primeiro Rock in Rio (1985), e não foi tão bem recebido pelo público. Pretende apresentá-la de novo no RiR deste ano?
Erasmo – Não. A onda é outra. O que eu vou fazer acompanhado dos caras do Ultraje a Rigor é rock ‘n’ roll na veia, do princípio ao fim. Pode ter lado A e lado B, mas vai ser tudo pauleira, nada lento.
Você dedica esse trabalho a seu filho Léo Esteves. Por que não menciona também o nome de Carlos Alexandre, em memória?
Erasmo – Seria óbvio. Mas quem fez o disco comigo foi Léo, meu filho vivo. A menção não foi de pai para filho, mas de profissional para profissional. Léo é dono da minha gravadora, meu braço-direito.
Um ano depois, você conseguiu superar a morte de seu filho (Carlos Alexandre morreu em 14 de maio do ano passado, vítima de um acidente de moto no Rio)?
Erasmo – Meu bem, a gente nunca esquece. Tem coisinhas dele espalhadas por toda a casa. Dudu tinha a mania de escrever bilhetinhos para mim. No banheiro, tem um escrito na parede. O quarto dele de solteiro está intacto, toda hora me deparo com alguma coisa que me lembre. Mas a vida continua, estou aprendendo a conviver com a ausência da alegria do meu filho.
Você é chamado Gigante Gentil, mas continua cantando sua fama de mau. Que faceta é mais forte no Erasmo?
Erasmo – Eu tinha o machismo ingênuo da Jovem Guarda, que gerou a música e a fama. Era considerado bad boy porque não queria saber de casamento, e as mães daquela época queriam todas casar as filhas direitinho. Por isso, eu não era flor que se cheirasse [risos], tive fama de bandidão. Adolescente, na Tijuca, eu aprontei algumas. Hoje estou calmo até demais…
Seu livro “Minha fama de mau” vai virar filme, com Chay Suede no papel de Erasmo. Você influenciou na escolha do ator?
Erasmo – Não, em nada. Partiu do diretor Lui Farias, eu só escrevi o livro. Por enquanto, não vou participar do filme. Mas sou noveleiro, vejo “Babilônia”, gosto do trabalho do Chay. Ele é um bom ator.
Consegue ver semelhanças entre vocês dois? Há traços nele que te lembram sua juventude?
Erasmo – A gente teve pouco contato. Nos esbarramos em eventos e premiações antes do encontro promovido pelo Lui para lançar publicamente a ideia do filme. Para mim foi uma surpresa. Mas acho que Chay vai precisar tomar um pouquinho mais de sol. Está muito branquinho para interpretar o morenão aqui! [risos] (Naiara Andrade/AG)