Terça-feira, 24 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de novembro de 2015
Uma empreitada de alto risco. Assim pode ser definido “Chico – Artista brasileiro”. Em um país em que “sucesso já foi ofensa pessoal”, como definiu Mestre Tom Jobim, e que envelhecer tampouco é visto como qualidade a ser exaltada, a trajetória de Chico Buarque chega às telas sob inspirada direção e cumplicidade do cineasta e amigo Miguel Faria Jr. que, em 2005, conquistou público e crítica com “Vinicius”, celebração da vida e obra do Poetinha, morto em 1980, aos 66 anos. Naquele documentário, o diretor partia de um pocket show para costurar a trajetória de um artista protegido das armadilhas que o presente pode oferecer às biografias mais sólidas.
Desta vez, o personagem é também o principal narrador de um percurso que se confundiu, durante algumas décadas, com a história do País. Sim, estamos falando de décadas – cinco, para sermos mais precisos.
De frente para a câmera sensível de Lauro Escorel, em seu apartamento no Leblon, Chico relembra o início da carreira, passa pela ditadura, censura, exílio, casamento com Marieta Severo, encontros e parcerias, sem esquecer sua performance como jogador de futebol. Uma primeira surpresa: Chico é muito engraçado. E, geralmente, é o primeiro a rir de suas histórias. Elas merecem – há relatos deliciosos, até sobre a censura. Outro aspecto: suas considerações sobre a criação oferecem pistas preciosas sobre a “inspiração”. Discorre também sobre a renovação através da literatura.
Aliás, os bastidores do seu último livro, “O irmão alemão”, a esta altura bastante conhecidos e com trechos narrados por Marília Pêra, constituem a vertente mais pessoal do documentário que entrevista apenas uma representante da família – a irmã Miúcha –, e oferece uma doméstica apresentação musical com os netos.
A montagem hábil de Diana Vasconcellos, coautora do roteiro com o diretor, alterna marcantes imagens de arquivo – de passeatas e comícios a festivais, programas de TV, shows de Chico no Brasil e no exterior, sobretudo na Itália.
Há cenas de arrepiar, como a sintonia com Maria Bethânia em “Olhos nos Olhos”, ou o close em Bibi Ferreira em “Gota d’Água”. Marcas do personagem são avaliadas por mortos, como Vinicius e Tom, e vivos, como Edu Lobo e Ruy Guerra que alerta “Chico também tem seus demônios”. Deve ter, mas os esconde bem. O criador parece em paz com a vida, com sua história e memórias. Sem nostalgia.
Uma seleção musical foi encenada especialmente para o filme, que começa com a lindíssima “Sinhá”, e inclui um rol variado de intérpretes, de Ney Matogrosso com “As Vitrines” à portuguesa Carminho, em dilacerante interpretação de “Sabiá”.
Apesar de pequena quebra de ritmo no capítulo dedicado à literatura, “Chico – Artista Brasileiro” propicia um encontro privilegiado com um artista visto por ele mesmo na maturidade. Levando em conta a extensão, diversidade e genialidade da sua obra e o grau de intimidade obtido por Miguel Faria Jr., não há como deixar de aplaudir de pé. (Susana Schild/AG)
Confira o trailer do filme: