Quarta-feira, 16 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 22 de setembro de 2022
Em pronunciamento ao país na manhã de quarta-feira para anunciar a “mobilização parcial” de 300 mil reservistas, o presidente russo, Vladimir Putin, referiu-se à guerra na Ucrânia em termos duros e de ameaça existencial à Rússia. A nação se defende de um Ocidente que quer “enfraquecer, dividir e destruir a Rússia”, que está pronta para reagir com armas nucleares.
A ameaça apocalíptica busca coagir a Ucrânia e seus aliados ocidentais a aceitarem os ganhos da Rússia no conflito. A realização apressada, neste fim de semana, de “referendos” em áreas ocupadas visa criar uma linha que a Ucrânia e o Ocidente não devem cruzar.
Ao anexar de fato grandes partes do sul e do leste da Ucrânia, Putin quer dissuadir Kiev e o Ocidente de atacar o que o Kremlin considera “território russo”, preparando as bases para uma mobilização total ou até mesmo para um conflito nuclear, se eles persistirem.
A escalada de Putin é uma aposta que evidencia como sua margem de manobra encolheu no campo de batalha, na Ucrânia, e internamente, na Rússia.
“O mundo inteiro devia rezar pela vitória da Rússia, pois só há dois modos de isso terminar: com a vitória da Rússia ou com um apocalipse nuclear”, disse o magnata nacionalista russo Konstantin Malofeyev. “Se não vencermos, teremos de usar armas nucleares, porque não podemos perder”, acrescentou. “Alguém realmente acha que a Rússia aceitará a derrota e não usará seu arsenal nuclear?”, questionou.
Na defensiva após perder um vasto território para a Ucrânia nas últimas semanas, o anúncio de Putin é uma tentativa de mudar os cálculos num momento em que Moscou tem cada vez menos opções, segundo Rob Lee, do Foreign Policy Research Institute.
A bem-sucedida contraofensiva ucraniana neste mês não só expulsou as forças russas da região de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, como passou a ameaçar territórios que a Rússia tomou no Donbas – o centro industrial do leste do país, cuja “libertação” Putin definiu como o objetivo principal da guerra.
“Se eles perderem território que acabaram de ganhar, ficará muito evidente que se trata de um fracasso militar e político”, disse Lee.
Segundo ele, ao declarar essas áreas como território russo, Putin provavelmente espera conseguir parar o avanço da Ucrânia e o envio de armas do Ocidente, porque isso demonstraria que “qualquer ofensiva seria interpretada como um ataque ao território russo”.
Governantes ocidentais condenaram os referendos, reiteraram seu apoio às tentativas da Ucrânia de recapturar seu território e reafirmaram sua disposição de fornecer armas de alta tecnologia a Kiev.
Samuel Charap, cientista político da Rand Corporation, acha improvável que a aposta da Rússia dê certo. “Não creio que Putin tenha internalizado completamente as consequências disso”, afirmou. “O que acontecerá quando a Ucrânia ‘ocupar’ o ‘território russo’?”, pergunta.
Muitos analistas também veem com ceticismo a possibilidade de que uma mobilização parcial tenha um impacto rápido no campo de batalha, pois treinar os reservistas e estabelecer novas unidades com comandantes e apoio logístico pode demorar vários meses.
Após sete meses de guerra, as pesadas perdas deixaram as forças russas em desvantagem em termos de pessoal, em especial de soldados bem treinados. Segundo estimativas ocidentais, Moscou mobilizou inicialmente cerca de 180 mil soldados para invadir a Ucrânia.
O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, disse que 5.937 soldados russos morreram no conflito, menos de um décimo das baixas que Moscou alega que a Ucrânia sofreu. Em agosto, os EUA avaliaram que a Rússia teve “provavelmente… 70 mil ou 80 mil” entre mortos e feridos desde fevereiro.
As forças russas de reserva somam 2 milhões de ex-recrutas e soldados contratados, diz o Instituto para o Estudo da Guerra, mas poucos treinam ativamente ou estão preparados para combates.
Um estudo de 2019 da Rand estimou que a Rússia tinha menos de 5.000 reservistas com treinamento mensal e anual regular, embora em 2021 o país tenha lançado uma iniciativa para criar uma força de reserva permanente.
“Se a ideia é assustar a Ucrânia e o Ocidente para que capitulem, não vai funcionar. E, quando isso fracassar, Putin terá opções ainda piores”, disse Charap. As informações são do jornal Financial Times.