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Edson Bündchen Indiferentes

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O morticínio causado pela pandemia da Covid-19 está produzindo um grande impacto na forma como encaramos a vida, a liberdade, nossa saúde, nossos relacionamentos, nossos empregos, nosso futuro, nossa fé, nossa experiência humana, enfim. Os sintomas não ocorrem somente no aspecto físico, com a diminuição da presença, do toque, do abraço. Há um elemento transcendental que nos acomete, justamente porque a fronteira entre o viver e o morrer está muito mais próxima, mais real e tragicamente verdadeira. Lutar contra a normalização da morte tem sido um exercício diário perante a avalanche de notícias dramáticas que invadem o nosso cotidiano. A forma como iremos sair desse doloroso processo revelará muito mais sobre nós do que podemos supor. Nossas faces mais sublimes, e também mais cruéis, estão sendo desvendadas, seja no comportamento diante da dor alheia, seja no modo egoísta ou solidário como encaramos nossas responsabilidades comunitárias. O valor do que é bom, do que é justo e verdadeiro deveria nos conduzir a um agir mais empático, muito embora não seja isso que estejamos percebendo.

As imagens comoventes de pessoas morrendo por falta de atendimento nos hospitais contrasta paradoxalmente com as festas e aglomerações que desafiam o bom senso e o respeito ao próximo, pressupostos elementares de uma boa convivência social, num momento que exigiria maior contrição e sensibilidade. A atual modernidade líquida, tão bem retratada pelo sociólogo Zygmunt Bauman, traz a fragmentação da realidade e a fluidez dos eventos como causas de nossa crescente indiferença frente a problemas cada vez maiores, e que nos transformaram em testemunhas digitais imperturbáveis da história. A instantaneidade dos fatos não está repercutindo em maior solidariedade e compaixão. Assistimos passivamente ao desenrolar da violência, da fome, das injustiças e da miséria, como que protegidos por uma bolha desafeiçoada que nos exime de uma participação mais ativa, mas não nos redime de um crescente incômodo existencial, pelo menos para espíritos menos apáticos.

Ao contrário disso, estar sensível aos que perdem, aos que sofrem, aos esquecidos, é estar ao lado dos pisados, e não dos que pisam… É estar aliado aos perdedores e não aos que ganham na fraude, na injustiça, na mentira e na maldade. Essa profunda compreensão da agonia alheia não significa carregar o peso do mundo nos ombros, mas ter a noção e a consciência de que é preciso ir além da contemplação. A menor solidariedade do mundo e a constrangedora inércia frente à barbárie, nos enfraquece moralmente, nos apequena diante do que é certo, do que é virtuoso. Místicos ensinaram a contemplar a cruz, mas necessitamos mais do que isso. Devemos buscar não mais o Deus todo poderoso e distante da dor, mas o Deus misericordioso que está em nós. É esse Deus presente que poderá nos comover para aqueles que estão doentes, que não conseguem respirar, nos pequeninos desamparados, nos que são discriminados e rejeitados. É nesse momento de provação de nossa condição humana que mais necessitamos da produção de esperança, abraçando o essencial, a fidelidade para com nós mesmos.

Assim, é no conceito de maior empatia que pode repousar um caminho unificador para maior solidariedade. Sem o resgate da esperança, a presente moldura que enclausurou os sonhos de uma sociedade apática e em conflito, condenará a atual e futuras gerações a aprofundarem a alienação impassível que ora experimentamos. A fronteira entre o real e o divino e as imensas contradições que o tempo atual nos legou, pontuado por insegurança, individualismo e competição desenfreada, nos remetem a um repensar de caminhos, reposicionar conceitos e refletir à luz de novas possibilidades. Se a razão, a despeito de tudo o que a ciência nos proporcionou, está sendo incapaz de pacificar o coração dos homens, talvez tenha chegado o momento de recuperar e reforçar uma agenda mais sensível à dor alheia, sob o preço de sucumbirmos ao peso do nosso próprio egoísmo autoindulgente.

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