Segunda-feira, 21 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de julho de 2020
O pretexto do governo americano para fechar o consulado chinês em Houston — uma acusação de espionagem — é o que menos importa no embate entre os dois países. A rusga tem relevo por marcar o recrudescimento da nova Guerra Fria entre as potências, que ganhou impulso na pandemia.
A China de Xi Jinping dá mostras de ter deixado de lado o comedimento em seu estilo geopolítico. Investe trilhões na Nova Rota da Seda com que pretende integrar três continentes. Desenvolveu a melhor e mais barata tecnologia para a quinta geração da telefonia celular (5G), infraestrutura de uma nova era de crescimento (os americanos tentam evitar que o 5G chinês domine o planeta). Ainda lançou ontem um foguete rumo a Marte.
Não há maior contraste entre americanos e chineses que na pandemia. Depois de hesitar e permitir que o novo coronavírus escapasse de Wuhan, a China encontrou um caminho para contê-lo. Hoje lidera um terço das pesquisas mais avançadas com vacinas. Cresceu 3,2% no último trimestre, enquanto outras economias soçobram. Nos Estados Unidos, o combate ao vírus sofre com debates primitivos, em que a política vale mais que a ciência. O país de Donald Trump se tornou recordista em casos e mortes.
É tentador atribuir a Trump a responsabilidade pelo acirramento das tensões com a China, já que foi ele quem deflagrou a guerra comercial e acelerou o “desacoplamento” das duas economias. Mas isso tudo é mais um sintoma do que a causa da tensão. A China sempre ofereceu às democracias liberais do Ocidente um desafio. De um lado, o mercado gigantesco. De outro, o regime autoritário, que evolui do capitalismo de estado centralizado, nos moldes soviéticos, para a experiência assustadora de vigilância digital da população. Na província de Xinjiang, perto de 2 milhões de muçulmanos uigures são mantidos em “campos de reeducação”, denunciados por organizações de direitos humanos.
Se os Estados Unidos têm perdido, sob Trump, o lustro de inovação e arrojo com que lideram o Ocidente, pouco há a admirar no modelo chinês. O choque entre os dois países traz prejuízo para todos, em particular para o Brasil. A China, nosso maior parceiro comercial, não pode ser desprezada como pretendem certas alas do governo Bolsonaro. Isso não significa que deva ser adulada. A mesma crítica vale para a visão primária da esquerda antiamericana. O relacionamento com ambos deve ser pautado por um engajamento realista, na defesa dos interesses nacionais.