Sexta-feira, 04 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 14 de dezembro de 2020
Entre todas as ferramentas que as agências de saúde desenvolveram ao longo dos anos para combater as epidemias, pelo menos uma permaneceu uma constante por mais de um século: os certificados de vacinação em papel.
Na década de 1880, em resposta a surtos de varíola, algumas escolas públicas começaram a exigir que alunos e professores mostrassem cartões de vacinação. Na década de 1960, em meio a epidemias de febre amarela, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um documento de viagem internacional, conhecido informalmente como cartão amarelo. Mesmo agora, os viajantes de certas regiões são obrigados a mostrar uma versão do cartão nos aeroportos.
Agora, quando os EUA estão aplicando as primeiras doses da vacina contra o vírus, o ingresso para a reabertura do país está definido para vir em grande parte na forma de uma credencial digital de saúde. Nas próximas semanas, as principais companhias aéreas, incluindo United, JetBlue e Lufthansa, planejam apresentar um aplicativo de passaporte de saúde, chamado CommonPass, que pretende verificar os resultados dos testes de vírus dos passageiros – e em breve, registros de vacinação. O aplicativo emitirá códigos de confirmação permitindo que os passageiros embarquem em determinados voos internacionais. É apenas o início de uma busca por credenciais digitais que em breve poderão ser adotadas por empregadores, escolas, acampamentos de verão e espaços de entretenimento.
“Esta é provavelmente uma nova necessidade comum com a qual teremos que lidar para controlar e conter essa pandemia”, diz Brad Perkins, diretor médico da Commons Project Foundation, a organização sem fins lucrativos de Genebra que desenvolveu o aplicativo CommonPass.
O advento das credenciais eletrônicas de vacinação pode ter um efeito profundo nos esforços para controlar o coronavírus e restaurar a economia. Elas poderiam levar mais empregadores e campi universitários a reabrir. Elas também podem dar paz a alguns consumidores, dizem os desenvolvedores, ao criar uma maneira fácil para cinemas, navios de cruzeiro e estádios esportivos admitirem apenas aqueles com vacinas contra o coronavírus documentadas.
Mas os passes digitais também levantam o espectro de uma sociedade dividida entre quem tem e quem não tem passe de saúde, principalmente se os espaços começarem a exigir os aplicativos como ingressos. As ferramentas podem dificultar o trabalho ou a visita de pessoas com acesso limitado a vacinas. Especialistas em liberdades civis também alertam que a tecnologia pode criar um sistema invasivo de controle social, semelhante à vigilância intensificada que a China adotou durante a pandemia – apenas em vez de governos federais ou estaduais, atores privados como empregadores e restaurantes determinariam quem pode ou não acessar serviços.
“A proteção da saúde pública tem sido historicamente usada como uma desculpa para a discriminação”, disse a professora Michele Goodwin, professora de direito que dirige o Centro de Biotecnologia e Política Global de Saúde da Universidade da Califórnia. “Essa é a verdadeira preocupação – o potencial de usar esses aplicativos como proxies para manter certas pessoas longe e fora.”
Ela acrescentou que os desenvolvedores de tecnologia geralmente se apressam em implantar e dimensionar inovações antes que os governos tenham a chance de testá-las e regulamentá-las.
Nos EUA, por exemplo, o governo federal planeja distribuir cartões de registro pessoais para pessoas que recebem vacinas contra o coronavírus para lembrá-las de seu provedor médico, fabricante da vacina, número do lote e data da inoculação. Mas as agências federais de saúde ainda não emitiram orientações sobre as credenciais de vacinação digital de terceiros, deixando em aberto para que empresas e organizações sem fins lucrativos apresentem aplicativos de passe de saúde relacionados à covid-19. Nem o Departamento de Saúde e Serviços Humanos nem os Centros de Controle e Prevenção de Doenças responderam aos pedidos de comentários.
Organizações sem fins lucrativos e empresas de tecnologia que desenvolvem esses aplicativos dizem que seu objetivo é criar credenciais tão confiáveis quanto o cartão amarelo de papel da OMS. E eles argumentam que os aplicativos de smartphone – que as pessoas podem usar para recuperar seus resultados de teste de vírus e imunizações diretamente de seus provedores de saúde – são mais confiáveis do que documentos de saúde em papel, que podem ser falsificados.