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Por Redação O Sul | 31 de março de 2019
Para uns, incentivo a uma categoria sacrificada. Para outros, estímulo a caçadores de recompensas. Sancionada pelo governador Wilson Witzel, a Lei 8.320 prevê pagamentos do Disque Denúncia a policiais militares e civis que prenderem criminosos com recompensa fixada. Coordenador do serviço, Zeca Borges disse que foi pego de surpresa e que o programa não está “preparado para isso”.
A lei é de autoria do deputado Fábio Silva (DEM) e já está em vigor, mas precisa ser regulamentada. De acordo com a norma, os agentes devem efetuar a prisão por meios próprios, ou seja, sem se valer de denúncias feitas à central de atendimento. Caso mais de um policial participe da ação, o valor deverá ser dividido igualmente.
Embora atue com o poder público, o Disque Denúncia nasceu de uma iniciativa da sociedade civil. Gerenciado pela ONG Instituto Mov Rio, é sustentado por patrocinadores privados e paga recompensa apenas a autores de denúncias anônimas. Desde a criação, em 1995, foram mais de 2,3 milhões de denúncias cadastradas e pagos mais de R$ 370 mil.
“Agradeço a confiança que o governador e a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) têm no programa, mas fui surpreendido. Nós não estamos preparados para isso. Nosso orçamento é para quem faz denúncias. Embora a gente tenha uma boa parceria com os órgãos de segurança, não tenho autorização dos patrocinadores para remunerar diretamente os policiais. Se o governo for prover os recursos, a gente pode conversar”, disse Borges.
O coordenador disse que alertou Wilson Witzel: “há uma semana, mandamos nossa posição mostrando a impraticabilidade dessa lei, mas não sabemos se o governador recebeu”.
A assessoria do governo informou que “a lei sancionada ainda precisa de regulamentação, o que deve ocorrer num prazo de seis meses”.
“Gratificação faroeste light”
O pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Uerj, João Trajano Sento-Sé, disse que a lei poderá trazer mais prejuízos do que benefícios ao trabalho policial. Além disso, ele traça um paralelo entre a nova legislação e uma lei que vigorou na década de 1990, na gestão do governador Marcelo Alencar.
“Em primeiro lugar, pode estimular a criação de uma espécie de mercado paralelo de captura de criminosos. E, guardadas as devidas proporções, nos remete a uma experiência muito ruim dos anos 90, a famigerada gratificação faroeste. Naquela época, o governo instituiu uma premiação para policiais que matassem criminosos. Era um estímulo à execução sumária. É claro que essa iniciativa de agora não se compara em brutalidade, mas parece uma versão light daquela medida.”
A socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, concorda:
“O perigo é que essa nova lei possa remeter a esse entendimento dos anos 90, quando os policiais eram estimulados a procurar infratores vivos ou mortos. Temos que aguardar a regulamentação para observar melhor.”
Para defender a lei, o deputado Fábio Silva a comparou com um sistema já existente nos Estados Unidos.
“Lá os tribunais contratam os vault hunter (caçadores de recompensas) para procurarem foragidos. Existe há décadas e funciona muito bem.”