Quinta-feira, 07 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 6 de outubro de 2024
Ao longo de quase um ano de guerra no Oriente Médio, as principais potências se mostraram incapazes de interromper ou mesmo influenciar significativamente os combates, um fracasso que reflete um mundo turbulento de autoridade descentralizada que parece provável que perdure.
As negociações entre Israel e o Hamas para acabar com os combates na Faixa de Gaza, promovidas pelos Estados Unidos, foram repetidamente descritas pelo governo de Joe Biden como prestes a avançar, mas fracassaram. A atual tentativa liderada pelo Ocidente de evitar uma guerra em grande escala entre Israel e o Hezbollah no Líbano equivale a uma luta para evitar um desastre. Suas chances de sucesso parecem profundamente incertas depois que Israel matou Hassan Nasrallah, o líder de longa data do Hezbollah.
“Há mais capacidade em mais mãos em um mundo onde as forças centrífugas são muito mais fortes do que as centralizadoras”, disse Richard Haass, presidente emérito do Conselho de Relações Exteriores (CFR, na sigla em inglês). “O Oriente Médio é o principal estudo de caso dessa perigosa fragmentação.”
A morte de Nasrallah, líder do Hezbollah por mais de três décadas e o homem que transformou o movimento xiita em uma das forças armadas não estatais mais poderosas do mundo, deixa um vácuo que o Hezbollah provavelmente levará muito tempo para preencher. É um grande golpe para o Irã, o principal apoiador do grupo, podendo até desestabilizar a República Islâmica. Ainda não se sabe se uma guerra em grande escala chegará ao Líbano.
“Nasrallah representava tudo para o Hezbollah, e o Hezbollah era o braço avançado do Irã”, explicou Gilles Kepel, um dos principais especialistas franceses no Oriente Médio e autor de um livro sobre a agitação mundial desde 7 de outubro. “Agora a República Islâmica está enfraquecida, talvez mortalmente, e nos perguntamos quem sequer pode dar uma ordem para o Hezbollah hoje.”
Influência americana
Durante muitos anos, os EUA foram o único país capaz de exercer uma pressão construtiva sobre Israel e os países árabes. Eles arquitetaram os Acordos de Camp David de 1978, que trouxeram a paz entre Israel e Egito, e a paz entre Israel e Jordânia em 1994. Há pouco mais de três décadas, o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e o presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, apertaram as mãos no gramado da Casa Branca em nome da paz, mas a frágil esperança desse abraço foi se desgastando constantemente.
O mundo e os principais inimigos de Israel mudaram desde então. A capacidade dos EUA de influenciar o Irã, seu inimigo implacável há décadas, e os representantes do Irã, como o Hezbollah, é marginal. Designados como organizações terroristas por Washington, o Hamas e o Hezbollah existem efetivamente fora do alcance da diplomacia americana.
Os EUA têm uma influência duradoura sobre Israel, principalmente na forma de ajuda militar que envolveu um pacote de US$ 15 bilhões (cerca de R$ 81,5 bilhões) assinado neste ano pelo presidente Biden. Mas uma aliança sólida com Israel, construída em torno de considerações estratégicas e políticas internas, bem como dos valores compartilhados por duas democracias, significa que Washington quase certamente nunca ameaçará cortar – e muito menos interromper – o fluxo de armas.
A resposta militar israelense avassaladora em Gaza ao massacre de israelenses pelo Hamas em 7 de outubro e a captura de cerca de 250 reféns atraiu leves repreensões de Biden. Ele chamou as ações de Israel de “exageradas”, por exemplo. Mas o apoio americano ao seu aliado em apuros tem sido resoluto, já que as baixas palestinas em Gaza aumentaram para dezenas de milhares, muitas delas civis.
Os EUA, sob qualquer Presidência concebível, não estão dispostos a abandonar um Estado judeu cuja existência foi cada vez mais questionada no ano passado, desde os campi americanos até as ruas da própria Europa que embarcou na aniquilação do povo judeu há menos de um século.
“Se a política dos EUA em relação a Israel mudasse, seria apenas nas margens”, disse Haass, apesar da crescente simpatia, especialmente entre os jovens americanos, pela causa pró-Palestina.
Inação calculada
Outras potências têm sido essencialmente espectadoras enquanto o derramamento de sangue se espalha. A China, um grande importador de petróleo iraniano e um grande apoiador de qualquer coisa que possa enfraquecer a ordem mundial liderada pelos americanos que emergiu das ruínas em 1945, tem pouco interesse em vestir o manto de pacificador.
A Rússia também tem pouca inclinação para ser útil, especialmente na véspera da eleição de 5 de novembro nos EUA. Dependente do Irã para obter tecnologia de defesa e drones em sua intratável guerra na Ucrânia, ela não está menos entusiasmada do que a China com qualquer sinal de declínio americano ou qualquer oportunidade de atolar Washington em um lamaçal do Oriente Médio.
Com base em seu comportamento anterior, o possível retorno do ex-presidente Donald Trump à Casa Branca provavelmente é visto em Moscou como o retorno de um líder que se mostraria complacente com o presidente Vladimir Putin.
Entre as potências regionais, nenhuma é suficientemente forte ou comprometida com a causa palestina para confrontar Israel militarmente. No final das contas, o Irã é cauteloso porque sabe que o custo de uma guerra total poderia ser o fim da República Islâmica; o Egito teme um enorme fluxo de refugiados palestinos; e a Arábia Saudita busca um Estado palestino, mas não colocaria vidas sauditas em risco por essa causa.
Quanto ao Catar, ele financiou o Hamas com centenas de milhões de dólares por ano, que foram destinados, em parte, à construção de uma rede labiríntica de túneis, alguns com até 76 metros de profundidade, onde reféns israelenses têm sido mantidos. Ele contou com a cumplicidade do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que via o Hamas como uma forma eficaz de enfraquecer a Autoridade Nacional Palestina (ANP) na Cisjordânia e, assim, minar qualquer chance de paz.