Domingo, 13 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de julho de 2020
Flávia já não sabe mais como fazer a filha ganhar fluência na leitura. Elaine até tenta recuperar no caçula o gosto pelas aulas e Débora se equilibra entre os chamados de um bebê e a rotina de aulas online da filha mais velha. Já se passaram mais de 120 dias e o que parecia provisório virou regra. Com as escolas fechadas por causa do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, crianças e adolescentes ficaram todo o tempo em casa e os pais relatam prejuízos ao desenvolvimento e a perda de habilidades como fala e leitura.
“Ela simplesmente não quer assistir às aulas online, a professora fala com os outros alunos e ela sai para comer. Fico brava, mas não tem o que fazer”, diz a farmacêutica Flávia Pilon, de 44 anos, sobre Clara, de 6, que tem dificuldade para se concentrar.
A menina tem pré-diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o que agrava as dificuldades. “É um momento superdelicado porque ela está na fase de alfabetização. Vejo que terá diferença desse aprendizado online em relação ao presencial. Se estivesse na escola, estaria mais avançada.” A leitura, diz a mãe, não é rápida como a dos colegas e Flávia contratou aula particular (também online) para tentar diminuir prejuízos. “Ela sabe ler, mas ainda faltam a fluência e velocidade.”
As repercussões do longo tempo sem aulas presenciais não são apenas impressões das mães. Estudos já evidenciam os impactos para o desenvolvimento das crianças. Os prejuízos vão além da perda de conteúdos e ocorrem também na aquisição de habilidades como interação, cooperação e expressão de sentimentos, principal objetivo das escolas para os pequenos nessa fase.
Pesquisa com 320 participantes de 3 a 18 anos em Xianxim (China), na 2ª semana de fevereiro, apontou que 36% delas apresentavam dependência excessiva dos pais, 32% relataram desatenção e 20% apresentaram problemas de sono. No Brasil ainda faltam pesquisas sobre esses efeitos colaterais da pandemia. Especialistas também alertam para o risco de cobranças desnecessárias pelos pais.
“O que mais pode afetar a criança é o estresse tóxico – períodos prolongados de estresse em que a criança fica sem referencial, preocupada, e ativa mecanismos de defesa. Ela tem de ficar em casa com os pais, preocupados com o risco de pegar a doença ou porque perderam o emprego”, adverte Naércio Menezes Filho, coordenador do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância e professor do Insper. Além disso, aumenta o risco de violência doméstica.
Para Enrico, de 3 anos, que entrou na creche no início do ano, mesmo o pouco tempo na escola foi importante para os primeiros passos rumo à autonomia. “Começou a ser mais independente, comer sozinho e se virar. E a entender que a mãe pode sair de perto e depois volta”, diz a esteticista e massoterapeuta Débora Seiryu, de 39 anos.
Desde o início da quarentena, Enrico e a irmã Letícia, de 8 anos, estão confinados com os pais. “A perda foi muito grande. Ele continua a comer sozinho, mas em casa não aceita bem qualquer alimento. Na escola, via amiguinhos comerem juntos e acabava comendo. Em casa, quer mamadeira, doce.” Letícia tem aulas ao vivo, todo dia, de 13h às 16h30. A mãe criou um cantinho de estudos, mas admite ser difícil convencer a menina de que não está de férias.
Insônia. Na casa de Elaine Costa, de 38 anos, estabelecer uma rotina com o filho de 10 anos é um desafio à parte. “Ele tem problema de insônia, o horário para dormir está desregulado. A rotina na escola obriga e lá tem desde o aprendizado à sociabilidade, o bate-papo com a professora, os amigos”, compara.
No 4.º ano do fundamental, Caio tenta se entender com os problemas de multiplicação e divisão, adjetivos, verbos e pronomes. “Ele tinha pegado o gosto pelas aulas, conseguia fazer sem tanto estresse e agora, online, é como se não existisse. Ele não suporta, já tentei várias técnicas”, diz a mãe do menino, diagnosticado com TDAH.