Domingo, 06 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 27 de setembro de 2020
O começo do outono no norte do planeta encontrou a Europa fechando suas portas, tendo adiante um inverno penoso. As alas de terapia intensiva e os leitos hospitalares voltaram a lotar em Madri e Marselha – cidade que, alguns meses atrás, pensava ter mais ou menos eliminado a Covid-19. Os governos implementaram novas restrições, como se deu na Inglaterra, retomando medidas impostas poucos meses antes. A vida ao ar livre voltou para dentro de casa. A conversa sobre uma segunda onda reverberou por toda parte.
Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos viam seus números de mortos oficiais ultrapassar a soma dos números de toda a Europa Ocidental – quebrando a barreira dos 200 mil. A Índia, que vem registrando mais de meio milhão de novos casos por semana durante quatro semanas consecutivas, logo receberá das mãos dos americanos o título nada invejável de país com a maior contagem oficial de casos.
O mundo parece prestes a ver sua milionésima morte oficial por covid-19. É mais do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou como vítimas de malária (620 mil), suicídio (794 mil) ou HIV/Aids (954 mil) em 2017, ano mais recente para o qual há dados disponíveis.
Essas mortes representam pouco mais de 3% dos casos de covid-19 registrados, que agora somam mais de 32 milhões. Essa contagem é por si só uma subestimação do número de pessoas infectadas pelo sars-cov-2, o vírus que causa a doença. Muitos dos infectados não ficam doentes. E muitos dos que ficam doentes nunca chegam a procurar um sistema de saúde.
Uma noção melhor, embora ainda imperfeita, de quantas infecções ocorreram desde o início do surto no final do ano passado pode ser obtida em pesquisas sorológicas que cientistas e autoridades de saúde pública vêm realizando em todo o mundo. Eles procuram anticorpos contra o sars-cov-2 em amostras de sangue que foram coletadas para outros fins. Sua presença revela uma exposição passada ao vírus.
Em muitos países, seria necessário um oceano de material para alinhar os números das pesquisas sorológicas com o número de casos oficial. O fato de os dados dessas pesquisas serem irregulares – há muito poucos abertamente disponíveis na China, por exemplo – significa que não é possível calcular a taxa de infecção global diretamente a partir dos dados em mãos. Mas, construindo uma relação empírica entre as taxas de mortalidade, as taxas de casos, a renda média – um indicador razoável da abrangência das testagens – e a soropositividade, é possível atribuir taxas para países onde os dados não estão disponíveis e, assim, estimar um total global.
Uma estimativa com base em 279 pesquisas sorológicas de 19 países sugere que as infecções já estavam atingindo mais de 1 milhão de pessoas por dia no final de janeiro – quando o mundo em geral estava só começando a ouvir relatos sobre a existência do vírus. Em maio, a taxa mundial parece ter sido superior a 5 milhões de infecções por dia. As incertezas na estimativa são grandes e ficam ainda maiores à medida que você se aproxima do presente, mas ao todo se estima que foram infectadas algo entre 500 milhões e 730 milhões de pessoas em todo o mundo – de 6,4% a 9,3% da população mundial. A OMS ainda não divulgou suas próprias estimativas baseadas em pesquisas sorológicas, embora o trabalho esteja em andamento; mas a organização já apontou para um limite superior em 10% da população global.
Se a doença está muito mais disseminada do que parece, isso quer dizer que ela é proporcionalmente menos mortal do que sugerem as estatísticas oficiais, coletadas sobretudo em países ricos? Quase certeza que sim. Baseando-se em números britânicos, David Spiegelhalter, que estuda a compreensão pública dos riscos na Universidade de Cambridge, calculou que o risco de morte por covid aumenta cerca de 13% para cada ano de idade, o que significa que uma pessoa de 65 anos tem 100 vezes mais probabilidade de morrer do que um jovem de 25. E as pessoas de 65 anos não estão distribuídas uniformemente pelo mundo. No ano passado, 20,5% da população da União Europeia tinha mais de 65 anos, contra apenas 3% da população na África subsaariana.
Também é provável que o número de mortes, assim como o número de casos, esteja significativamente subestimado, porque muitas pessoas morreram da doença sem ter testado positivo para o vírus. Uma maneira de contornar este problema é comparar o número de mortes neste ano com o que se poderia prever com base nos anos anteriores. Esse método de “mortalidade excessiva” se fundamenta na ideia de que, embora as estatísticas oficiais muitas vezes sejam silenciosas ou enganosas quanto à causa da morte, elas raramente se equivocam quanto ao fato de determinada morte de fato ter ocorrido. As informações são da revista The Economist.