Domingo, 06 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 22 de setembro de 2022
As decisões de política monetária tomadas pelo BC (Banco Central) do Brasil e pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) para combater a inflação devem ter impacto negativo sobre a atividade econômica no Brasil. O novo cenário coloca à prova as projeções do governo federal, mais otimistas em meio à campanha eleitoral. No mercado, os efeitos devem se concentrar mais no segmento de ações do que na renda fixa.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC interrompeu na quarta-feira o maior ciclo de elevação da taxa básica de juros em 23 anos, mantendo a Selic em 13,75% ao ano, mesmo patamar da reunião de julho, mas muito distante dos 2% ostentados em março de 2021. Mais do que isso, os cortes nos juros devem demorar a começar. Poucas horas antes, o comitê de política monetária do Fed elevou a taxa de referência americana em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 3% e 3,25% ao ano. A projeção mediana dos integrantes do colegiado indica que a taxa encerrará o ciclo de altas somente em 2023, em 4,625% ao ano.
Na avaliação de um ex-diretor do BC, a decisão e o comunicado do Fed foram “bem hawk”, ou seja, inclinados ao aperto monetário. Ele cita como exemplo as projeções apresentadas pelos integrantes do colegiado, que fez os “juros curtos reagirem bem”. “O Brasil aguentou bem, a moeda depreciou pouco [após o anúncio]”, diz.
Economista-chefe para o Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro afirma que a decisão e a mensagem passadas pelo Fed mantêm a “tendência de um dólar forte”, o que por sua vez “traz pressão cambial” para emergentes – inclusive no caso do real.
Em termos de atividade, ela diz que as elevações globais das taxas de juros significam que “o mundo terá que desacelerar”. A Galapagos calcula para os próximos 12 meses pouco mais de 50% de chance de recessão para os Estados Unidos e 80% para a Europa, o que afeta negativamente o crescimento da economia brasileira. “Não tem muito como destoar desse movimento.”
A economista projeta expansão de 0,9% do PIB no ano que vem, destacando que as estimativas para 2022 se aproximam de 3%.
Pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Armando Castelar afirma que a tendência é que “haja recessão nos Estados Unidos” em 2023. Ao lado de uma “provável contração fiscal no Brasil” e da própria política monetária contracionista promovida pelo BC, esse é um dos fatores que devem fazer com que a atividade econômica nacional desacelere no ano que vem. Ele projeta crescimento entre 0% e 1%.
“Já os ativos brasileiros estão com comportamento favorável em relação ao mundo emergente”, di. Castelar chama atenção para o estágio avançado do ciclo de altas de juros do Brasil, as contas externas em situação confortável e a pequena dívida em moeda estrangeira.
O cenário traçado pelos economistas para a atividade em 2023 contrasta com a avaliação do Ministério da Economia, que projeta alta de 2,5%. Para a pasta, os modelos econômicos tradicionais têm subestimado o crescimento dos investimentos privados no Brasil.
O economista Gilberto Borça também projeta desaceleração da economia americana “no médio e longo prazos”. Mas diz que o “ritmo robusto” no Brasil surpreende, depois do intenso ciclo de alta de juros. “As medidas de curto prazo do governo federal e o caixa robusto dos Estados parecem ter impulsionado a atividade”, afirma.
Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter, diz que o mercado de renda variável só deve voltar a se aquecer quando houver “uma sinalização melhor da redução dos juros no Brasil, entre meados e o fim do primeiro semestre” de 2023. Em sentido oposto, as emissões de renda fixa continuam crescendo. “Os novos investimentos, impulsionados pelas concessões e marcos regulatórios, vêm elevando a oferta de papéis como debêntures e securitizações”, diz, lembrando que as captações de renda fixa somaram R$ 285 bilhões até agosto, 27% a mais que no mesmo período de 2022.
O comunicado do Copom afirmou que “o ambiente externo mantém-se adverso e volátil, com contínuas revisões negativas para o crescimento das principais economias”. Já “o ambiente inflacionário segue pressionado, enquanto o processo de normalização da política monetária nos países avançados prossegue na direção de taxas restritivas”. O BC citou, entre os fatores que podem levar a inflação no Brasil para patamar mais elevado do que o projetado, “uma maior persistência das pressões inflacionárias globais”. Mas destacou, em sentido oposto, que “uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada” pode fazer com que a trajetória de preços fique abaixo do calculado.
Após a decisão do Fed, o próprio presidente do BC americano, Jerome Powell, afirmou que a autoridade monetária tem discutido “regularmente” com bancos centrais de outros países os impactos que o ciclo de alta de juros mundial pode ter sobre a economia global. Segundo ele, “não é uma coordenação”, mas o contato entre eles “é constante”. Powell citou inclusive a reunião de Basileia, na Suíça, realizada na semana passada, à qual compareceu o presidente do BC brasileiro, Roberto Campos Neto.
“Estamos muito conscientes do que acontece em outras economias e vice-versa e tentamos levar isso em conta”, disse Powell. As informações são do jornal Valor Econômico.