Terça-feira, 08 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 2 de junho de 2022
O surto internacional de casos de varíola dos macacos fora da África em maio surpreendeu parte da comunidade médica, mas epidemiologistas que já estudavam a doença afirmam que a ocorrência deste evento era uma questão de tempo. Desde os anos 1970, a ocorrência de casos nativos vem aumentando a cada década, as infecções em outros continentes seguem em função destes.
Na República Democrática do Congo, principal centro endêmico, os casos que eram dezenas na década de 1970 se tornaram, centenas depois de alguns anos, depois milhares após a virada do século, e agora dezenas de milhares. Em outros países, casos que eram menos de dez na década de 1990 já eram mais de uma centena na década passada, agora já foram mais de 600 antes de ter se passado um quarto da década atual.
Em dezembro do ano passado, antes de o atual surto iniciar, pesquisadores liderados por Robert Steffen, professor da Universidade do Texas ligado à OMS revisaram toda a literatura médica de epidemiologia sobre o assunto, que era pequena, com 48 artigos relevantes. “A aparição de surtos além da África realça a relevância global da doença”, escreveram os cientistas.
Como o estudo constatou que a idade das pessoas contraindo a doença está aumentando a cada década, os pesquisadores validaram a conclusão de que a doença estava emergindo entre pessoas nascidas depois da década de 1970, quando a varíola humana foi erradicada, e a vacinação cessou. O imunizante tinha proteção cruzada contra varíola dos macacos, que agora só existem em pessoas mais velhas, uma parcela menor da população.
Por ter uma letalidade relativamente baixa, a doença atraiu pouca atenção de autoridades sanitárias em países mais ricos, mas pode ser grave para pacientes com imunidade prejudicada. Como é uma virose que custa um pouco a passar, até um mês, e provoca vesículas em muitos casos, ela pode ter um impacto social razoável pela necessidade de isolar as pessoas. A variante do oeste africano, que circula agora globalmente, é menos letal que a da bacia do Congo, o maior centro endêmico, afirma Steffen.
Na bacia do Congo e na Nigéria, a doença é endêmica, porque ocorre em populações de roedores e outros animais. Estes ocasionalmente a transmitem para humanos. (Apesar do nome, não é uma doença típica de macacos.)
O vírus entrou no radar das autoridades brasileiras impulsionado por outro patógeno. Quando ocorreu um grande surto do vírus ebola no oeste africano, o Brasil possui o desenho de um plano para lidar com doenças potencialmente emergentes, e a varíola dos macacos era uma delas.
“Em 2014, nós fizemos uma revisão no fluxo de comércio do Brasil com aqueles países da África Ocidental, porque nós temos grupos que vira-e-mexe se expõem nessa região. São militares em missões em regiões endêmicas, empresários que atuam nesses países, pessoas que vão trabalhar na diplomacia e outras”, conta Wanderson Oliveira, ex-chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), órgão do Ministério da Saúde que cuida de epidemias.
Tanto na Copa do Mundo de 2014 quanto na Olimpíada em 2016, o plano especial do Brasil para lidar com eventuais doenças importadas tinha a varíola dos macacos na lista de preocupações. Pouca atenção foi dada ao fato, sobretudo depois que a zika já estava circulando no país. Segundo Oliveira, apesar das trocas de governos e de ministros da Saúde de lá até aqui, o plano de vigilância perdurou e está sendo implementado agora.
“Se tivermos um casos suspeito de varíola dos macacos já é emitido um alerta importante, e se surgir um caso confirmado já é considerado um surto”, diz Oliveira.
Segundo Oliveira, por não ter ligação muito direta com as áreas endêmicas, o Brasil é menos vulnerável que outros países, e talvez passe incólume pelo atual surto global, mas é preciso reforçar a vigilância em “pontos-cegos” da vigilância, como a ligação da África subsaariana com grandes hubs aéreos fora de lá, especialmente nos aeroportos de Casablanca, Paris e Lisboa. Outro ponto vulnerável é o comércio marítimo, principalmente em zonas portuárias de Rio de Janeiro, Santos e Recife onde existem zonas de prostituição. As informações são do jornal O Globo.