Segunda-feira, 30 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 29 de junho de 2025
Ao mesmo tempo em que multiplicou por três o poder sobre o Orçamento da União nos últimos dez anos, o Congresso esvaziou os principais mecanismos de fiscalização das contas públicas. Levantamento feito pelo jornal O Globo aponta, por exemplo, redução de 66% no número de reuniões e audiências de comissões responsáveis por esse tipo de controle no mesmo período, além de queda de 25% na quantidade de proposições para apurar irregularidades no uso dos recursos pelo Executivo.
A função do Congresso de fazer a fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos órgãos do governo está prevista na Constituição e ocorre em paralelo às atribuições legislativas – de propor e aprovar leis. Essa incumbência, porém, tem sido aos poucos deixada de lado na medida em que parlamentares passaram a ser responsáveis por definir como uma maior fatia desse dinheiro deve ser aplicada. E, para especialistas, o motivo pode ser justamente esse.
Principal arena de debates do Congresso sobre o tema, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), por exemplo, que inclui deputados e senadores, teve 81 reuniões e audiências em 2015. Em 2024, foram 18. Já neste ano, os parlamentares realizaram sete. São nestes encontros do colegiado em que a execução do Orçamento é discutida com especialistas, ministros, técnicos do governo e representantes da sociedade civil, cobrando explicações e debatendo ajustes nas contas públicas.
Já a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara, que tem como atribuição a análise das contas do governo, reduziu de 70, em 2015, para 34 o número de reuniões realizadas no ano passado. Neste ano, foram 12 nos primeiros seis meses do ano.
Além disso, o número de Propostas de Fiscalização e Controle (PFCs), instrumento utilizado pelos parlamentares para solicitar a apuração de irregularidades na administração pública, caiu em um quarto nos últimos dez anos. Em 2015, haviam sido apresentadas 69, enquanto foram registradas 52 no ano passado. Neste ano, foram 26 até agora.
Outro indicativo é o número de pedidos de abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito. As CPIs são criadas para investigar possíveis irregularidades na administração pública e têm poder para convocar autoridades, requisitar documentos e quebrar sigilos. Em 2015, foram 20 pedidos protocolados na Câmara dos Deputados, frente a quatro no ano passado. Em 2025, até junho, apenas três solicitações foram registradas.
Parlamentares à frente dos colegiados alegam razões diversas para a redução do papel de fiscal das verbas da União.
“O atraso na votação do Orçamento fez com que a nova CMO iniciasse em maio os seus trabalhos. Mas estabeleci um cronograma para recuperar esse tempo perdido”, afirmou o presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador Efraim Filho (União-PB).
Já o deputado Bacelar (PV-BA), à frente da CFFC, afirma que a atuação do colegiado tem sido limitada pela demora da cúpula da Câmara em dar andamento às medidas de fiscalização.
“A Comissão de Fiscalização deveria ser uma trincheira permanente da transparência e do controle dos gastos públicos. No entanto, sua atuação tem sido sistematicamente limitada por um bloqueio institucional inaceitável. Desde o início da atual legislatura, a presidência da Câmara deixou de realizar os despachos de distribuição das PFCs, impedindo que a comissão designe relatores e avance nos processos”, afirmou Bacelar.
Ele acrescentou que o colegiado já aprovou 98 requerimentos neste ano, entre eles 28 para audiências públicas, quatro de auditoria e oito para convocação de ministros. Procurado, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não se manifestou.
Enquanto reduziu o papel de fiscalizador, o Congresso turbinou o controle sobre as verbas. Em 2015, em valores já corrigidos pela inflação, foram R$ 16,92 bilhões em emendas, frente a R$ 50,38 bilhões neste ano.
A mudança no modelo de repasses também contribuiu para esse novo cenário. Desde 2020, as chamadas emendas Pix – transferências fundo a fundo feitas diretamente aos cofres estaduais e municipais, sem necessidade de convênios ou planos de trabalho detalhados – ganharam espaço como principal forma de execução das emendas.
Essas transferências exigem menos etapas de prestação de contas e chegam mais rápido ao destinatário, por isso, são preferidas por parlamentares e prefeitos. Ao mesmo tempo, estados e municípios têm falhado em prestar contas sobre a aplicação dos valores recebidos, o que vem gerando sucessivas cobranças do Supremo Tribunal Federal (STF).
“O Legislativo desvirtuou o seu papel fiscalizador ao passar a ter poder de decidir sobre um volume absolutamente desproporcional do Orçamento público por meio das emendas parlamentares. Quem tem poder de indicar despesa não tem interesse em fiscalizar”, disse Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil. As informações são do jornal O Globo.