Terça-feira, 22 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 21 de julho de 2025
Autor, com o também cientista político Carlos Fortin e o economista Carlos Onimami, do recém-lançado, “O mundo não-alinhado” (tradução livre), o professor da Universidade de Boston Jorge Heine é negociador no tabuleiro global desde que participou do gabinete do democrata-cristão Eduardo Frei em 1999, seguido ao comando das embaixadas chilenas na China, na Índia e na África do Sul. Ele conversou com o jornal O Globo por telefone, de Seul, onde participava do Congresso Mundial de Ciência Política — cujo tema central foi a marcha autocrática em sociedades polarizadas — pouco antes de embarcar para Santiago afim de acompanhar a cúpula progressista dessa segunda-feira (21).
Na conversa, o embaixador destacou a oposição ao Brics como razão central da chantagem tarifária do governo americano ao Brasil. E também apontou paralelos claros entre a reação antiamericana da opinião pública no Canadá e na Austrália, fator decisivo nas eleições gerais nos dois países este ano, em que a direita perdeu, e os próximos pleitos no Brasil, ano que vem, e no Chile, em novembro.
1) Como o senhor vê até agora a reação do governo brasileiro à ameaça de taxação pelos EUA de 50% a partir de agosto?
Todas as negociações com o Trump 2.0 indicaram que ceder às pressões iniciais de Washington levam a novas pressões. É um erro crasso. Foi assim com o Panamá nos últimos seis meses. Imaginar que dizer “sim, senhor” fará o contencioso desaparecer é fantasioso. Por outro lado, é importante não fazer provocações desnecessárias. A situação é complexa e deve continuar sendo tratada por Brasília de acordo. Não adianta queimar mais pontes, algo contraproducente e ingênuo. E é importante o Brasil seguir destacando, na mesa de negociações, alguns pontos.
2) Quais?
Primeiramente, os absurdos da chantagem de Trump, o maior deles a demanda de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo se pudesse, intervenha no Poder Judiciário. Se dissesse sim, Lula se tornaria traidor e cúmplice ao mesmo tempo. Mais complicado do que sair em defesa do aliado, (o ex-presidente Jair) Bolsonaro, Trump atirou na separação dos Poderes no Brasil. É importante Brasília frisar que seria igualmente impossível se a exigência fosse reversa. Que os dois países podem discutir temas comerciais exaustivamente, mais jamais afrontar suas respectivas Constituições.
3) Mas como negociar quando o outro lado exige o impossível?
Repetindo a ilogicidade da discussão, a começar pelos EUA serem superavitários com o Brasil — se posta na mesa nos termos estabelecidos pelo próprio Trump, quem deveria impor taxas era Brasília. Batendo na tecla dos números reais como prova de que o Brasil discute com seriedade e assim seguirá. A realidade, aliás, é aliada do país neste caso e deixa Brasília em posição forte — inclusive por conta da diversificação de sua economia. Não é como o México, que tem 80% de sua produção umbilicalmente ligada ao mercado norte-americano.
4) O senhor menciona o México e uma crítica corrente é a de que Brasília deveria, como o fez, por exemplo, a presidente Claudia Sheinbaum, ter estabelecido laços com o Trump 2.0. O senhor concorda?
Sempre se posse dizer o óbvio, que estabelecer laços com parceiros estratégicos é um dever. Dito isso, é importante levar em conta o momento histórico. A Washington de Trump é regida por uma política externa imprevisível. Outros investiram em contato mais estreito com o Departamento de Estado e seguem às voltas com tarifas, entre eles o próprio México, com 30%.
5) A oposição de Trump aos Brics, manifestada inclusive durante a reunião no Rio, foi tão central para o tarifaço contra o Brasil quanto a defesa de Bolsonaro e a oposição à regulação das big tech?
Para quem ainda tinha dúvida, ficou claro que os Brics não são o grupo favorito de Trump. Seria um erro, no entanto, aceitar que só os países do Norte podem se reunir, na Otan ou no G-7, e desenvolver estratégias globais, e os do Sul não, evitando assim desagradar os EUA. Essa é uma noção despropositada e servil. Os Brics representam quase a metade da população do planeta e têm força econômica muito maior do que a dos países não-alinhados durante a Guerra Fria, algo que incomoda Trump. Mas o efeito de suas reações até agora, entre elas a ameaça de tarifas a seus membros, tem sublinhado o ressurgimento e fortalecimento do Sul Global. Justamente por isso, se esconder, a essa altura,é declaração ao mesmo tempo de fraqueza e de falta de confiança. Baixar a cabeça para Washington e esperar que a tempestade passe é a pior estratégia, até porque o mau tempo não terminará logo.