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Tito Guarniere De aperto de mão e abraços

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(Foto: Getty Images)

Bem, aqui estamos. Não podemos apertar a mão do outro, abraçar um ente querido. Não podemos manifestar nossos sentimentos. Apartados, distantes, sequer podemos reencontrar quem nós amamos e queremos bem. É a pandemia do desamor.

Compreende-se a necessidade das conferências on-line, das reuniões à distância. Mas como faz falta o calor humano, aquele que emana da troca de olhares, ou quando dividimos o espaço com o outro, respiramos o mesmo ar e nos tocamos! As redes sociais, as ondas etéreas por onde circulam as mensagens eletrônicas, são uma espécie de buraco negro que separa e distancia.

Nós, os homens, as mulheres levamos tempo, muito tempo para inventar e assimilar gestos que têm o significado universal de alegria, cumprimento cordial, desejo de paz, manifestação de confiança – gestos gentis, que tocam o coração. Eles foram retirados da praça, caíram em compulsório desuso.

Diz-se bom dia ao vizinho de porta, mas de máscara e com a voz contida para não expelir gotículas perigosas. Distância, distância! – avisam o tempo todo. O vizinho? Sabe-se lá se não está infectado. De soslaio ele nos observa, com a mesma suspeita. O vírus está na tocaia, oportunista, pronto para adentrar pela boca, pelas narinas, alojar-se no nosso frágil organismo e causar o maior estrago.

Por um bom tempo não conheceremos mais ninguém: todos estarão com o rosto escondido atrás da máscara protetora. Como reconhecer a pessoa? Pelos cabelos (ou falta deles)? Altura? Gingado? Pela voz? Mas se até a voz muda, atrás do pano protetor?

O doente sortudo sobrevive à experiência dramática de respirar por aparelhos: como poderá agradecer um dia a enfermeira, que com seus cuidados ingentes, com as suas abençoadas diligências, manteve acesa a luz e o calor da vida, se o rosto da heroína esteve o tempo todo coberto? Talvez faça algum sentido: o doente que sobreviveu dirá “Deus lhe pague”, ou “muito obrigado” a todas as enfermeiras que encontrar – heroínas deste tempo espectral.

E o abraço? O vírus nos roubou o prazer inestimável de abraçar o filho, o neto, o amigo que recém chegou depois de longa ausência. Nada de abraços! Nem o abraço da alegria do reencontro, da data concelebrada, ou o que consola e compartilha a dor e a aflição.

O abraço amoroso, a carícia trocada, o beijo apaixonado – os infectologistas que agora comandam nossas vidas franzem o cenho e desaconselham. Se o gesto de afeição era uma face definitiva de nossa humanidade, da nossa sensação de pertencimento à tribo humana, agora fomos relegados à condição de primatas que não evoluíram. Eles, os primatas, ao menos não aprenderam o valor do gesto de carinho, o bem que faz à alma, e portanto, não têm do que se queixar. E por favor, que ninguém deixe prosperar o costume ridículo de cumprimentar com os cotovelos.

Eu só sei que quando sair da clausura – sou otimista! – sequiosamente estenderei a mão de todos que encontrar, como um político em campanha. E sem máscara, distribuirei sorrisos largos e abraços apertados a todos que cruzarem o meu caminho e estiverem dispostos a aceitar.

 

 

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