Segunda-feira, 21 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 20 de julho de 2025
Em uma praça cercada por tradicionais bistrôs, uma loja de conveniência discreta ocupa o térreo de um prédio moderno onde ficava a igreja de Billancourt até 1943, ano em que ela foi o dano colateral de um ataque dos Aliados durante a Segunda Guerra no subúrbio de Paris. O objetivo de britânicos e americanos era destruir infraestrutura utilizada pelos nazistas que ocupavam a capital francesa, como a fábrica da Renault perto dali. Hoje, não há mais vestígios da destruição, e a maioria dos moradores passa alheia pelo local, acreditando que a guerra não voltará ao solo francês tão cedo. Mas alguns já começaram a se preparar.
— As pessoas estão inquietas, mas não muito. Só que eu venho de um país que ainda está em guerra. Eu a vi — diz Constantin Trantik, 63 anos, nascido no Líbano, que chegou a comprar açúcar, água, mel e sardinha para estocar no começo do conflito na Ucrânia. — Talvez a guerra chegue aqui um dia.
Ameaça verdadeira
Nos últimos anos, governos europeus começaram a preparar civis para um eventual conflito generalizado no continente. Medidas como divulgar manuais com orientações de sobrevivência, estocagem de comida e expansão da rede de abrigos antiaéreos foram adotadas por vários países, desde os nórdicos, entre eles Noruega, Suécia e Finlândia, até Alemanha e Reino Unido.
Na França, informa a imprensa local, o governo prepara a publicação de um livreto com orientações para que os franceses tenham em mãos um kit de sobrevivência de 72 horas e saibam o que fazer em tempos de crise. Ainda não está claro se o documento vai incluir a palavra “guerra”.
Aos 90 anos, todos vividos em Boulogne Bilancourt — inclusive durante os bombardeios da Segunda Guerra — o aposentado Pierrette crê que seu país não está preparado.
— A Segunda Guerra foi terrível. Devemos ter medo — afirma ele, que preferiu não divulgar o sobrenome. — E não há abrigos, nada.
Para o pesquisador Cyrille Bret, do Instituto Jacques Delors, o risco de que a guerra chegue diretamente à França é baixo, já que o país é uma potência nuclear e a dissuasão acaba sendo uma garantia contra ataques. Mesmo assim, ele destaca que “o sentimento de ameaça é muito mais forte hoje do que há dez anos”.
— Há iniciativas de preparação contra um ataque nuclear ou químico e contra um ataque contra o território nacional. A cultura popular francesa é bem sensível às questões militares — explica.
Apesar da descrença de muitos franceses de que o país possa ser diretamente atingido pela guerra, o chefe do Estado-Maior-Geral das Forças Armadas, Thierry Burkhard, deixou claro em uma rara coletiva à imprensa na semana passada que avalia que a Rússia será uma ameaça verdadeira antes de 2030 e que Vladimir Putin designou a França como seu adversário principal — embora não haja nenhuma declaração do presidente russo nesse sentido.
Em seu discurso anual às vésperas da comemoração do dia da Queda da Bastilha, o presidente Emmanuel Macron reiterou o senso de urgência. Em um gramado tomado por representantes das Forças Armadas na sede do Ministério da Defesa, anunciou que adicionaria € 3,5 bilhões (R$ 22,5 bilhões) ao orçamento da Defesa para o ano que vem e outros € 3 bilhões (R$ 19,3 bilhões) em 2027. Macron também deu uma declaração sombria, que tomou as manchetes francesas.
Estratégia conjunta
No dia seguinte, na Avenida Champs-Élysées, esteiras de tanques rolaram sobre os paralelepípedos da tradicional via parisiense na demonstração anual de força militar que é o desfile militar do 14 de Julho. A maioria dos que assistiam aplaudiam com empolgação a série de caças Rafale que rasgavam os céus de Paris e as tropas que desfilavam de capacete e fuzis empunhados.
— É uma boa ideia modernizar as Forças Armadas. Precisamos estar no mesmo nível que outras nações — disse a estudante Margaux Chevalier, de 23 anos, que assistiu pela primeira vez ao desfile. — Mas não tenho medo. O mundo é instável, a França não.
Em todo o continente, no entanto, medidas estão sendo tomadas. A União Europeia quer que os cidadãos se preparem para crises, elaborando planos de emergência e estocando itens essenciais, como comida, água e remédios para 72 horas. Um post publicado nas redes sociais da comissária Hadja Lahbib mostra a responsável pelo gerenciamento de crises do bloco revelando “o que está na sua bolsa” como se fosse uma influencer: rádio, um baralho, lanterna, fósforo, canivete, dinheiro em espécie e atum em lata.
No Reino Unido, a Nova Estratégia de Segurança Nacional, publicada em junho, alerta para a turbulência internacional e recomenda que cidadãos participem de exercícios para se preparar caso ocorram ataques contra o solo britânico. Na quinta-feira, o país assinou um pacto de defesa mútua com a Alemanha, uma semana após firmar um acordo semelhante com a França, no qual ambos se comprometiam a coordenar mais estreitamente seus arsenais nucleares. (As informações são do portal O Globo)