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Edson Bündchen O paradoxo da antifragilidade

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Está claro que as profundas mudanças econômicas, sociais e tecnológicas em curso exigirão de cada um nós um repertório cada vez mais sofisticado de saberes, competências e comportamentos. A dimensão dessa metamorfose pode ser captada pelo acrônimo VUCA, surgido em 1998, espelhando as extraordinárias transformações do período pós Guerra Fria, e que foram reforçadas com o advento da crise econômica de 2008, ratificando estarmos sob o domínio da volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Confrontar esse ambiente talvez não seja sensato, nem tampouco simplesmente adaptar-se. Melhor seria que a aleatoriedade e a imprevisibilidade operassem em nosso favor, porém isso tem a ver com o enfrentamento de alguns paradigmas, muitos deles solidamente enraizados na forma como vivemos, aprendemos e nos relacionamos.

Para Nassim Nicholas Taleb, autor do clássico A lógica do cisne negro, os conceitos de robustez e resiliência já não são suficientes para nos garantir um sono tranquilo. É preciso ir além e fazer com que a desordem e o caos nos fortaleçam, a começar por abandonarmos qualquer ilusão vinculada à tentativa de prevermos o futuro. A exposição aos choques, eventos adversos, stress e incertezas seriam fontes de antifragilidade, enquanto a proteção excessiva, a crença em previsões e o medo de se expor trabalhariam em nosso desfavor. A tese de Taleb, mais do que controvertida e ousada, supõe que diante de um contexto no qual a única variável constante é a própria mudança, o nosso comportamento precisa ser inteiramente repensado. Assim como mães superprotetoras muitas vezes mais prejudicam do que ajudam seus filhos, a ausência de estressores na vida adulta também pode ser disfuncional.

A filosofia, antes tida como um campo do conhecimento até certo ponto descolado da praticidade da vida, adquire novo status ao emergir com sua vertente mais pragmática e menos idealista. Os gregos foram muito bons nisso, talvez por falta do que fazer num mundo bem menos movimentado, pelo menos em analogia com a moderna sociedade líquida, tão bem descrita por Zygmunt Bauman. Quando Nietzsche proclamava que aquilo que não me mata, só me fortalece, antecipava premonitoriamente um imperativo que pode agora separar vencedores e perdedores num mundo em ebulição. Essa sustentação na prática filosófica também encontra abrigo nos estoicos, já que os pressupostos mais consagrados daquela Escola têm na moderação, desapego e domesticação das emoções os seus maiores legados. Parece hoje adequado, ao modo da época de Sêneca, resgatar a sabedoria prática, quando lá fora tudo é nebuloso, implacável e mutante.

Para fazer com que as forças contingentes que moldam o mundo moderno convirjam em nosso favor, é necessária uma assertiva compreensão desse cenário labiríntico e de nossa própria inserção no mundo. Do entendimento e posicionamento diante dessa realidade é que emergirá o sujeito antifrágil, capaz de avançar perante a incerteza, aprendendo por experimentação, improviso, tentativas e erros. Mais do que negar ou desviar-se do fortuito ou inesperado, nossa sobrevivência terá muito a ver com a capacidade de dialogar com um esse novo contexto, com moldura, tons e textura que inapelavelmente teremos que desvendar.

Esse enfoque que concilia um quadro atual turbulento à prudência desapegada, sorvendo saberes consagrados historicamente, sem abrir mão da inovação e criatividade das modernas tendências, somente ocorre com a combinação do aprendizado numa visão inclusiva, aberta e até certo ponto humilde. A antifragilidade, nessa perspectiva, convida a junção do presente e do passado, convertendo-se em postura simultaneamente prática, conceitual e versátil, tornando nossa navegação possível, assim como um barco à vela aproveita os ventos, de qualquer sentido que venham. Só há bons ventos, contudo, para quem sabe navegar.

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https://www.osul.com.br/o-paradoxo-da-antifragilidade/ O paradoxo da antifragilidade 2020-10-22
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