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Edson Bündchen Perigosamente distraídos

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Uma mosca pousou na cabeça de Mike Pence, durante o debate entre os candidatos à Vice-Presidência americana, no último dia 07.10.2020. No dia seguinte, a despeito de outros assuntos colossalmente mais importantes, a imprensa concedeu generoso espaço ao acontecimento. O ocorrido revela que o olhar que dedicamos aos eventos pode estar sendo perigosamente distraído, com reflexos na compreensão da própria narrativa que molda a construção da história e na escolha de quem deve nos representar politicamente. Sim, há fatos bem mais pungentes, concretos e insidiosos do que insetos descuidados pousando em nossas cabeças.

Nossa jovem democracia amadurece aos poucos, incorporando em seu curso evolutivo as características peculiares da nossa sociedade. Para além do “homem cordial” que Sérgio Buarque de Holanda tratou no livro “Raízes do Brasil”, vivemos noutro contexto histórico, já com os efeitos da enorme transformação dos últimos 100 anos, migrando de uma sociedade agrária e patriarcal para uma realidade mais urbana e plural. Contudo, muito embora tenhamos avançado em termos econômicos e educacionais, é verdade que ainda convivemos com uma legião de analfabetos funcionais, incapazes de terem uma inserção plena de sua própria cidadania. São vítimas de uma condenável miséria intelectual que lhes subtrai a capacidade de uma participação política mais efetiva.

Os efeitos dessa incômoda miopia em relação à interpretação da vida nacional, traduzida em inação diante dos fatos ou a sua completa negação, tem provocado na sociedade brasileira um comportamento pendular, oscilando entre a indignação fugaz e o silêncio constrangedor. Os mesmos cidadãos que marchavam em nome de uma “nova política” e do apoio incondicional no combate à corrupção em 2013, hoje assistem silenciosos ao desmonte gradual da “Lava Jato”, maior operação anticrime que o País já teve, e símbolo de um momento no qual uma vigorosa expectativa por mudanças catalisou o sentimento de grande parte dos brasileiros por uma sociedade mais justa.

Essa mesma sociedade também parece entorpecida diante de algumas tragédias que assolam o País. A brutal realidade das milhares de mortes violentas, a maioria delas impunes, a vulgarização da barbárie no trânsito, onde sucumbem inacreditáveis cerca de quarenta mil mortos por ano, e a corrupção criminosa em plena pandemia da Covid-19, conferem ainda maior espanto diante de um quadro já aterrador.

Mesmo sem tradição revolucionária, pelo menos não em grande escala, o Brasil quase sempre acomodou as suas contradições, dilemas e crises de forma engenhosa, para não dizer de conveniente conformismo, combinando uma complexa teia de interesses, que ao longo do tempo foi moldando a atual arquitetura patrimonialista de apropriação privada do Estado. Faltou ao País, por certo, ciclos mais duradouros de fortalecimento institucional. Os atuais acontecimentos políticos, onde é visível o aumento da polarização extremada, torna o ambiente ainda mais complexo para uma compreensão equilibrada da realidade. É inegável que uma democracia vibrante não pode prescindir de sólidas instituições, como também do envolvimento crescente e qualitativo dos cidadãos nos debates e nas escolhas políticas.

Com um quadro extremamente desafiador à frente, a ausência de criticidade e a falta de atenção naquilo que é essencial podem comprometer o nosso futuro. Nenhuma nação se desenvolveu sem uma participação política qualificada. A incapacidade de adequada compreensão dos fatos, a manipulação das massas, bem como a farsa e a mentira, são ameaças reais presentes no tabuleiro político e eleitoral brasileiro. Sem investir de modo inteligente na formação de nossos jovens, qualificando-os e atraindo-os para uma sólida participação cívica, insetos impertinentes e outras banalidades continuarão a nos deixar perigosamente distraídos.

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