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Lenio Streck Reter automóvel pode gerar indenização ou até abuso de autoridade

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Artigo 271 diz: “Não caberá remoção em casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração”. (Foto: Reprodução)

Consta que dia desses à tardinha, rumo ao litoral, uma senhora foi parada por um policial militar (BM). O policial disse que o IPVA de 2020 não estava totalmente pago, embora o de 2021 já estivesse quitado. Ela pagara o valor antecipado.
Porém, na verdade, o IPVA “não pago” era decorrente do DPVAT que, segundo ela, não tinha guia quando pagou o IPVA no final de 2019 e ficou para trás. O Valor? Menos de 8 reais. O policial disse que teria que recolher o carro. Ou seja, IPVA pago; faltava DPVAT de uns pilas.

A senhora, de pronto, pagou os “pilinhas” pelo aplicativo do Banrisul. Mostrou o comprovante. Não adiantou. Recolheram o carro. Ela teve que pagar o guincho. Estragou o fim de semana. Pagou ainda três diárias de deposito.

Pior: a vítima disse que mostrou o Código de Trânsito (alterado pela lei 13.160, de 2015), para o policial. O que diz a Lei? Artigo 271: “Não caberá remoção em casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração”.

Claro, a polícia e o Detran estão na idade da pedra. Devem esperar o comprovante via correios. Bizarro. Não basta o comprovante do Banrisul, banco estatal.

Mas tem mais: a mesma lei diz no artigo 270: não sendo possível sanar a falha no local da infração, desde que ofereça condições de segurança para circulação, poderá ser liberado o veículo…! Ou seja: mesmo que a senhora não tivesse pagado via Banrisul na hora, ainda assim poderia sair com o carro, conforme diz a lei.

Sabem o que objetiva o Código de Trânsito? A segurança no trânsito. Não penso que o CTB tenha sido feito para sacanear incautos contribuintes. Daí a pergunta: no que os 6 ou 7 reais obstaculizam a segurança? Põem em risco alguém? Lição de primeiro ano de qualquer faculdade. Até da Unizero. Ou Uninada. Ao interpretar a lei, ver a sua finalidade. Ihering disse isso no final do século XIX. Aliás, tem um livro com esse título. Ihering? Ah, sim: foi um jurista alemão. Famoso. Mas já ninguém o lê nas faculdades Unizero por aí.

Não só isso: a lei é clara, dela se retirando um princípio (sim, princípio é um padrão!): havendo meio de resolver, a autoridade deverá colaborar. Deverá reter um documento e deixar o cidadão ir em frente. Isso quando não houver meio de resolver. No caso de ser possível pagar, tem de deixar ir sem reter documento.

Se for verdadeiro e fiel o relato da cidadã, o policial ou os policiais podem estar em uma enrascada. Em tese, cometeram abuso de autoridade, previsto no artigo 27 da nova Lei do Abuso. Ou artigo 30. Explico: por que a infração, para que possa dar azo à retenção do veículo, é administrativa-grave. Assim, se o policial imputou à cidadã uma infração, executando-a no mesmo momento (recolhendo veículo) e sendo que essa infração podia ser sanada no ato e isso causou prejuízo, parece razoável dizer que um dos dispositivos da nova Lei do Abuso foi tisnado.

Talvez a nova Lei possa assustar um pouco aos que acham que podem, sob o manto da autoridade estatal, interpretar ao seu bem prazer a lei. São os Humpty Dumptys da administração pública: dão às palavras da lei o sentido que querem.

Os policiais que interpretam desse modo, deixando de lado a prudência e a razoabilidade e não levando em conta o “espírito” da lei, comportam-se inadequadamente. Aposto que, diante de uma lei que dissesse “proibido levar cães na plataforma do trem”, deixariam passar ursos e jacarés, mas proibiriam o cão guia do cego. Ah: esse exemplo é de Recasens Siches, que já ninguém lê nas faculdades.

Ou se uma lei diz “os policiais devem usar uniforme, sobretudo aos domingos”, usariam “sobretudo” (casacão) aos domingos, se entendem a ironia.

Além de tudo isso, sendo verdadeiro o relatado pela senhora, cabe indenização, conforme artigo 37 da Constituição.

Quantas pessoas já passaram por coisas assim? Ou piores. Ou semelhantes? Que o diga o advogado Ricardo Giuliani. Esse foi com os azuizinhos. Algo parecido. Já aconteceu comigo. Processei os dois azuizinhos. Levei-os às barras. Lá aceitaram acordo.
Cada um tem de buscar seus direitos. Ora.

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