Quarta-feira, 07 de maio de 2025
Por Edson Bündchen | 24 de agosto de 2023
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Ao final do século XIX e no início do século XX, a Argentina beneficiou-se da demanda global por produtos como carne bovina, trigo e lã, que eram abundantes em suas vastas planícies, experimentando um período de desenvolvimento e prosperidade extraordinários. A chegada de imigrantes europeus também contribuiu para o crescimento econômico, trazendo consigo conhecimentos técnicos e mão de obra qualificada. Buenos Aires, tornou-se um destacado centro comercial e financeiro, atraindo investimentos estrangeiros e abrigando uma classe abastada a ponto ser conhecida como a Paris da América do Sul. Essa era de desenvolvimento econômico promoveu um rápido crescimento urbano e avanços em infraestrutura, como ferrovias e portos, além de permitir a formação de uma elite econômica e intelectual que sinalizava um futuro cada vez mais promissor. A partir da década de 1970, contudo, a instabilidade política, aliada as cada vez mais frequentes intervenções econômicas, comprometeu as perspectivas otimistas e jogou o País em uma gangorra de instabilidade que perdura até hoje.
A crônica incapacidade de estabilizar a economia sempre andou, e é assim em todos os lugares, de mãos dadas com a heterodoxia no encaminhamento das soluções. De plano em plano, nossos vizinhos argentinos demonstraram flagrante incapacidade para estabilizar o peso, domar a inflação, obter equilíbrio em suas contas e construir as bases para um desenvolvimento sustentável. Diferente do Brasil, a Argentina não teve sucesso em seu tripé macroeconômico, aqui implementado a partir de 1999, com a decisão do Banco Central do Brasil visando combater a crise fiscal e a erosão de nossas reservas cambiais. Por razões que não caberiam exaurir, a Argentina sempre teve uma relação tumultuada com sua própria moeda e uma exagerada afeição ao Dólar. A dolarização não oficial da economia argentina tornou a tarefa de adotar o regime do câmbio flutuante, determinado pela livre expressão da oferta e demanda pelas moedas em curso, ineficaz, mesmo sendo esse o regime adotado pela imensa maioria dos países. O segundo elemento do tripé macroeconômico, metas de inflação, tem estreita sintonia com outra dor dos nossos vizinhos, que são as metas fiscais. Sem conseguir controlar a inflação, sem disciplina fiscal e com uma desvalorização brutal de sua moeda, mais uma vez desenha-se um quadro para soluções milagrosas, agora sob a forma de um candidato a Presidente que promete romper com alguns dos fundamentos macroeconômicos, dentre os quais a inacreditável proposta de acabar com a figura do Banco Central.
Além de assustar os mercados, Javier Milei tem desafiado os analistas que não sabem bem como enquadrá-lo, devido ao grau de heterodoxia e pitadas de delírio em suas propostas. Para alguns, trata-se de um economista mega-ultra-neoliberal que sinaliza radicalizar os sonhos mais ousados da Escola Austríaca; Para outros, trata-se de um anarcocapitalista, como o mesmo se autointitula, cujo grau de libertarianismo o fazem prometer privatizar a administração pública, a polícia e até a justiça. Tirando as bobagens mais histéricas, Milei está dentro da agenda reformista dos “outsiders” que chegaram ao poder nos últimos anos, embalados pelo crescimento da ultra-direita em vários países. Em comum, discursos contra a classe política, promessa de milagres na economia e enfrentamento de temas ligados à agenda de costumes. Isso gera engajamento, mas enfrenta idêntica resistência dos setores mais lúcidos da sociedade. Se vencer, hipótese hoje plausível, Javier Milei poderá ter o mesmo destino dos últimos fanfarrões que pregaram prodígios e acabaram, ou fazendo concessões para poder governar ou colecionando processos na justiça. Não há milagre que se possa fazer nos atuais modelos institucionais vigentes. A Argentina bem que mereceria um horizonte como aquele que a transformou numa das maiores economias do planeta. Contudo, também nossos vizinhos não estão livres dos espasmos bravateiros que têm condenado partes do continente ao atraso e à falta de perspectivas.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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