Sábado, 26 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 4 de novembro de 2023
Uma empresa que teve acesso autorizado aos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em uma sala segura do Ministério da Educação (MEC) está vendendo informações para escolas e pais na internet. Pacotes que incluem relatórios com as supostas notas das escolas particulares e rankings estão disponíveis por R$ 599 no site da edtech AIO Educação, uma startup de preparação para o vestibular com uso de inteligência artificial.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que autorizou o acesso da AIO aos dados para um estudo, disse não garantir a veracidade das informações e acionou a Procuradoria Federal para analisar o caso. A comercialização das notas é condenada por advogados, que veem ilegalidade, e criticada por especialistas em educação, principalmente agora, com as matrículas abertas para 2023 na rede privada.
Com procedimentos de segurança, o espaço do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) – a “sala segura” – só pode ser usado por pesquisadores com “finalidade científica e de evidente interesse público”, segundo portaria do Inep. Para usar o serviço, é preciso inscrever a pesquisa com a justificativa do acesso e ser aprovado pelo Inep.
O pesquisador ganha o direito de manipular dados pessoais de estudantes em computadores específicos, numa sala do órgão, em Brasília. E só pode sair de lá levando os resultados de seus cálculos e tabulações, não dados brutos, que identificam os alunos.
“Ele deixa de ser pesquisador de um estudo de interesse público quando passa a monetizar os dados em instituição privada”, diz Rafael Zanatta, advogado e diretor da Associação Data Privacy Brasil, que atua nas áreas de proteção de dados e direitos digitais.
Justificativa
A edtech AIO Educação foi autorizada pelo Inep a acessar dados protegidos afirmando que faria estudo sobre a influência da escolaridade das mães nas notas dos filhos no Enem. Mas passou a vender dados de escolas não diretamente relacionados à pesquisa.
A AIO afirma que “não comercializa dados, mas sim análises e relatórios, que são compilados com base em dados extraídos de diversas fontes”. Segundo a edtech, “todo o trabalho desenvolvido pela AIO e pelos pesquisadores do projeto está de acordo com o projeto de pesquisa enviado e validado” pelo Inep.
Os rankings conhecidos como “Enem por Escola” se popularizaram há alguns anos e foram usados como propaganda no mercado de ensino privado. Eram calculados a partir de uma média das notas dos alunos de cada colégio, na prova. Algumas escolas chegaram a criar unidades menores, só com os melhores alunos, para ter melhores resultados.
Quem foi à sala segura do Inep em nome da AIO foi o ex-professor de cursinho Mateus Prado, consultor da edtech. “A gente precisava financiar nosso projeto de jornalismo de dados. Empresas de informação sérias no mundo inteiro cobram assinaturas para o acesso a conteúdos”, disse Prado.
Proteção de dados
Após a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2019, o Inep deixou de divulgar os microdados do Enem. O temor era de que pudesse haver identificação individual dos alunos, o que fere a LGPD. Segundo o presidente do Inep, Manuel Palácios, o órgão “não analisa o mérito” da pesquisa de quem pede acesso à sala segura pelo Sedap. “Só é analisado da perspectiva da proteção de dados”, disse.
“Não validamos nada. O pesquisador faz por conta dele”, afirmou, ao ser questionado sobre os dados comercializados pela AIO Educação. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Comercial Carlos Portugal Gouvêa, a venda dos dados pela AIO é “totalmente ilegal” e as escolas podem ser indenizadas por isso.