Segunda-feira, 07 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 3 de agosto de 2022
A varíola dos macacos (ou monkeypox), doença descoberta em 1958, está causando um surto mundial inédito. Já são mais de 18 mil casos confirmados, em ao menos 78 países. No Brasil, há quase 1,4 mil diagnósticos positivos para a doença.
A resposta sanitária global ao surto vem acompanhada de uma preocupação: o risco de estigmatizar homens que fazem sexo com outros homens, pelo fato de essa população concentrar a maior parte dos casos da doença.
De acordo com o Ministério da Saúde, até o momento, 95% dos casos da doença no Brasil foram registrados em homens que fazem sexo com homens. O perfil epidemiológico segue o que tem sido identificado em todo o mundo. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine mostrou que 98% das pessoas diagnosticadas com o vírus entre abril e junho em mais de uma dúzia de países se identificam como homens gays ou bissexuais.
A terminologia “homens que fazem sexo com homens”, também chamada HSH, é uma classificação técnica adotada na área da saúde que inclui homossexuais, bissexuais e pessoas que não se identificam com alguma dessas orientações. Entretanto, para Renan Quinalha, professor de Direito e autor do livro “Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias”, essa classificação “reproduz discriminação contra grupos sexo-diversos já privados de seus direitos”. Para ele, a epidemia de HIV/aids já demonstrou que pautar a campanha de informação, sensibilização e conscientização em um “grupo de risco” é ultrapassado e ineficaz.
Vulnerabilidade
O fato de o surto estar mais concentrado nessa população, não significa que os demais estão isentos de risco. Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), alerta que todos são vulneráveis à monkeypox.
“Já temos casos em casais heterossexuais, mulheres cis-gênero e crianças. Mas, atualmente, a doença está predominando em homens que fazem sexo com homens e precisamos falar sobre isso abertamente, sem estigmatizar”, diz Barbosa.
Saber quais populações são mais vulneráveis à doença neste momento é importante para que os sistemas de saúde direcionem suas mensagens e intervenções. Por exemplo, em muitos países que já começaram a vacinação contra a varíola dos macacos, os HSH são grupo prioritário.
Por outro lado, Barbosa ressalta que é preciso comunicar essa vulnerabilidade sem estigmatizar, sem apontar uma relação de culpa ou julgar algum comportamento, como aconteceu no início da pandemia de HIV/aids. Na década de 1980, a doença foi associada principalmente aos homossexuais. Posteriormente, constatou-se que qualquer pessoa pode se infectar.
Entretanto, o estrago já estava feito e até hoje a população LGBTQIA+ sofre preconceito em decorrência disso. O temor é que o mesmo se repita com a varíola dos macacos.
“Responsabilizar moralmente os indivíduos e suas práticas sexuais por um surto de uma doença pode levar a um processo semelhante ao que aconteceu com a epidemia do HIV/aids. Chamada de peste ou de câncer gay nos anos 80, a doença se mostrou um dispositivo de extermínio e de controle dos dissidentes sexuais e de gênero, inclusive com respaldo de organizações e instituições nacionais e internacionais do campo da saúde pública. Fazer a mesma coisa hoje pode inclusive afastar essas pessoas do sistema de saúde por se sentirem ainda mais discriminadas”, alerta Quinalha.
Desde o início do surto, especialistas e autoridades de saúde buscam respostas para explicar por que o vírus conseguiu, pela primeira vez, se espalhar de forma significativa fora da África e por quais os motivos ele tem afetado principalmente os homens que fazem sexo com homens.
Transmissão
Os primeiros casos desse surto mundial de varíola dos macacos fora de países africanos onde a doença era endêmica foram atribuídos a saunas gays e raves. Mas especialistas alertas quem a monkeypox não é uma doença exclusiva de um determinado grupo da sociedade. Longe disso.
A monkeypox é transmitida pelo contato com secreções, como gotículas, saliva, lesões, entre outras. Embora a maioria dos casos esteja associado a relação sexual, a varíola dos macacos não é uma infecção sexualmente transmissível propriamente dita. A transmissão pelo sêmen, por exemplo, ainda é alvo de investigação.
Entretanto, a alta taxa de transmissão de varíola dos macacos por contato sexual no surto atual – cerca de 95% dos casos, segundo estudo publicado na revista científica New England Journal of Medicine – levou a OMS a recomendar que as pessoas reduzam o número de parceiros sexuais, reconsiderar o sexo com novos parceiros e trocar detalhes de contato com novos parceiros.
Na ocasião, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da entidade, citou especificamente os homens que fazem sexo com homens. Embora a recomendação tenha sido considerada acertada por alguns especialistas, no que diz respeito à saúde pública, houve críticas a recomendação.