Sexta-feira, 07 de março de 2025
Por Redação O Sul | 16 de agosto de 2024
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez abertamente na quinta-feira (15) sobre a ideia de convocar novas eleições na Venezuela, em uma espécie de “segundo turno” entre o ditador Nicolás Maduro e o opositor Edmundo González Urrutia. Ambos reivindicam a vitória, mas só o último apresentou mais de 80% das atas que corroborariam os resultados. A proposta, porém, chega em um contexto em que o chavismo apertou a repressão contra opositores, com muitos já presos e outros escondidos.
A proposta, avaliam analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, já nasceu problemática, uma vez que ambas as partes rejeitam ir um novo pleito. Esta ainda não é uma proposição formal do Brasil e há poucos detalhes de como uma nova eleição seria feita. O primeiro pleito já ocorreu sob um clima de suspeição e sem respeitar as regras eleitorais desde o princípio – com a inabilitação de candidatos competitivos, exclusão de eleitores e, finalmente, a não publicação das atas.
“Certamente é uma abordagem que desconhece a natureza institucional de uma ditadura que se consolidou ao longo de anos e que tem um sistema eleitoral viciado em uma série de condições que muito dificilmente se possam reparar em uma repetição eleitoral”, afirma o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, apresentador do podcast Mirada Semanal.
“Se as eleições forem repetidas perante a comunidade internacional, tem que se dizer um porquê, ante o qual o governo sim ou sim terá que dar uma resposta. Por quê? Porque houve uma fraude? Vai dizer que foi o suposto hackeamento, que já foi dito de forma sustentada principalmente pelo centro Carter que não é crível?”, completa.
Depois que Lula afirmou em entrevista que “se Maduro tiver bom senso” chamaria novas eleições, a líder opositora María Corina Machada afirmou que a proposta era uma “falta de respeito” com o povo venezuelano. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, disse. “As eleições já ocorreram”.
Para a oposição, a ideia de “segundo turno”, que não é previsto na lei eleitoral venezuelana, seria o mesmo que ignorar o pleito de 28 de julho que teria dado ampla vitória para González Urrutia de acordo com 25 mil cópias de atas eleitorais (83% do total) disponibilizadas na internet. O chavismo, porém, diz que Maduro recebeu 52% dos votos contra 44% de González Urrutia, sem nunca ter apresentado as atas originais.
“Alguns propuseram realizar novas eleições e nós acreditamos que esse não é o caminho porque realizar novas eleições implica desconhecer um processo válido”, afirmou Perkins Rocha, porta-voz do Comando com Venezuela, coalizão de campanha liderada por María Corina Machado, em entrevista ao Estadão realizada antes que fosse revelado as movimentações dentro do governo brasileiro.
O chavismo, por meio de seu número 2 Diosdado Cabello, também rejeitou a proposta hoje, a qual chamou de estupidez. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores… Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.
Para justificar o atraso na divulgação do boletim com resultado – que apontava a vitória de Maduro – e depois a não divulgação das atas é um suposto hackeamento do sistema do Conselho Nacional Eleitoral do qual o chavismo acusa María Corina Machado e Edmundo González Urrutia de ter promovido. Pela acusação foi pedida uma investigação contra os dois no Ministério Público, controlado pelo chavista Tarek William Saab.
A afirmação também foi feita nesta quinta por María Corina durante entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse.
“Todos sabemos que o problema não foi a não realização de eleições, o problema é o que veio no contexto do pleito e depois do pleito”, afirma o professor da UERJ Paulo Velasco. “Novas eleições é uma solução que desagrada a ambos os lados. É o tipo da medida que compromete o papel do Brasil como mediador, que deveria buscar construir confiança com ambos os lados.”
Segundo Velasco, já que não existe um segundo turno na lei eleitoral venezuelana, o pleito teria de ser inteiramente refeito, incluindo candidatos que foram inabilitados, como María Corina e outros.
“Essas eleições foram marcadas por uma falta de simetria brutal em termos de recursos. Maduro com uma disponibilidade quase que infinita de recursos, gastando o que não podia no país ainda em crise; e a oposição com dificuldade enorme, praticamente não aparecendo em cartazes, realizando uma coisa quase caseira para arrecadar fundos e recursos. Para refazer isso em uma nova eleição em alguns meses seria um desafio imenso, quase que inviável para a oposição do país”, continua o professor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.