Quarta-feira, 16 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2019
A cela estava tão lotada que Mariana, 22 anos, diz que estava ficando louca. Toda vez que os guardas chamavam o nome de um imigrante, rezava para que o dela fosse o próximo. Grávida de seis meses, ela conta que fazia três dias que se alimentava pouco. Tomava o suco oferecido com as refeições, mas não era o bastante para matar a sede. Não tinha coragem de beber a água da pia que ficava em cima da privada do banheiro coletivo. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
Ela conta que recebeu um lençol térmico, o que não aplacava o frio, pois ou o usava para cobrir o chão ou deitava no chão e se cobria. Seu marido, em outra cela, cuidava da filha de dois anos, que passava mal e estava vomitando.
A criança foi atendida por médicos, conta, mas só podia vê-la por uma janela de vidro na porta. Também não tomaram banho desde que se entregaram na fronteira do México com os Estados Unidos.
Quando os guardas chamaram seu nome, porém, não estava livre. Ainda precisou passar por muitos percalços.
O número de brasileiros que, como Mariana, chegam aos EUA pela fronteira com o México pelo chamado “cai, cai”, ou seja, entregando-se aos guardas e pedindo asilo, aumenta desde o início do ano.
Os procedimentos de deportação abertos nas cortes de imigração americanas envolvendo cidadãos brasileiros já somam 3.429 casos de outubro de 2018 a maio de 2019, e o número deve aumentar até o fim do ano fiscal em vigência, em setembro.
Os índices dos anos fiscais de 2019, até agora, e 2018 (4.890 procedimentos) estão muito abaixo do de 2005, ano fiscal de maior imigração brasileira aos EUA: 28.135. Após esse período, no entanto, houve redução das deportações para menos de mil casos em 2014.
Os dados são obtidos por lei de acesso à informação pelo programa TRAC da Universidade de Syracuse. Os números representam principalmente os pedidos de asilo na fronteira, mas também, em número bastante inferior, solicitações de pessoas que foram ao país de avião e acabaram detidas.
Em comparação a países da América Central, a imigração brasileira aos EUA não é tão significativa, mas está entre as sete maiores nacionalidades de imigrantes apreendidos na fronteira, segundo Jeanne Batalova, pesquisadora do Migration Policy Institute, em Washington.
A polícia da fronteira do sul dos EUA apreendeu 227.073 cidadãos da América Central no ano fiscal 2018 e 1.504 brasileiros.
Muitos brasileiros vêm com seus filhos, pois recebem recomendações de que assim ficarão menos tempo em detenções temporárias e poderão aguardar a decisão sobre seus casos em liberdade.
Alguns ficam poucos dias nesses locais, lotados e com condições precárias de higiene. Outros são enviados para centros de processamento de famílias. Quando imigrantes trazem crianças que não são seus filhos, elas são enviadas para abrigos como menores desacompanhados.
“Não via movimento assim de chegada de brasileiros desde 2005”, diz Solange Paizante, co-fundadora da ONG Mantena Global Care em Newark, Nova Jersey, que tem recebido cerca de oito famílias por semana em busca de serviços de saúde e de educação em português.
A ONG fica próxima à Brazil Square, onde há restaurantes e lanchonetes com salgadinhos e doces brasileiros, e até um carrinho vendendo tapioca. Pelas ruas, é fácil escutar pessoas conversando em português.
Em Long Branch, também em Nova Jersey, não é diferente. De manhã bem cedo, brasileiros que vão trabalhar na construção e na limpeza de casas fazem fila para tomar cafezinho e comer pão francês, bolo de fubá e bolachas mineiras.
A advogada Shirley Cussick, que defende imigrantes que chegam a Long Branch e Newark, diz receber cerca de 50 pessoas por dia procurando auxílio sobre asilo. Organizações e advogados que lidam com brasileiros em estados em que a comunidade já é bem estabelecida, como Massachusetts, Flórida e Connecticut, também relatam o aumento dos recém-chegados.
As razões mais usadas pelos brasileiros para conseguir asilo são perseguição e violência por gênero ou orientação sexual. Em número menor, estão casos de perseguição policial.
A emigração brasileira segue os altos e baixos da economia: o aumento da inflação, do desemprego e da pobreza estão entre as causas do crescimento da ida de brasileiros aos EUA.
“Se no início dos anos 2000 as pessoas migravam ganhando um ou dois salários mínimos e procuravam uma vida melhor, hoje as pessoas estão sem emprego e sem esperança de conseguir um em breve”, diz Sueli Siqueira, pesquisadora de imigração na Universidade Vale do Rio Doce, em Governador Valadares.
A taxa de concessão de asilos, porém, é baixa entre brasileiros, mostram os dados obtidos pela Universidade de Syracuse. Dos 213 casos julgados no ano fiscal 2019, 189 foram negados e 20, concedidos – taxa de concessão abaixo de 10%.
Esse índice vem caindo desde 2016, quando estava por volta de 23%. Como as cortes de imigração estão abarrotadas de casos, o número julgado em um ano geralmente reflete casos iniciados em anos anteriores.
O ano de 2019 nem terminou, e o número de casos de asilo de brasileiros julgados de 2015 até maio deste ano – 563 – já superou o período de 2005 a 2009, que teve 520.