Sexta-feira, 18 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 14 de setembro de 2019
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Em 1548 foi publicado, depois de sua morte, um dos livros mais impactantes já escritos: falo de O Discurso da (ou sobre a) Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie, escrito aos 18 anos. Escrito inicialmente como um panfleto, tornou-se um “tratado” acerca da dominação e do “medo à liberdade”.
Diz no texto que o tirano obtém seu poder com a conivência do próprio povo subjugado e que a este bastaria decidir não mais servir, recusar-se a sustentá-lo para que se tornasse livre. Está em nós enraizada a vontade de servir, apesar de existir em nossa alma um germe de razão produtor da virtude e de que a própria natureza é justa (pois para esta, nenhum ser humano pode ser mantido em servidão).
Por que obedecemos? Por que nos acostumamos com a dominação, enfim, com a servidão? Parece uma contradição falar em servidão voluntária. Mas não é. Há um hábito que se transforma em dominação “querida”. Dominação fofa.
Treinamos diariamente para sermos mais e mais dominados. Entregamos nossos dados na internet. Expomo-nos no face book. Contamos para o mundo até o que fazemos no banheiro ou o que comemos no café da manhã.
Escrevemos bobagens nos grupos de neocaverna (whatsapp) e espalhamos notícias falsas. E depois nos queixamos.
Ora, o poder é uma fogueira alimentada pela lenha que diariamente colocamos. Mais lenha, mais poder. Solução: talvez não colocar mais lenha. Nenhum fogo arde sem combustível.
Alguns governantes se alimentam e se reforçam com o repique do ódio. Parece que há uma corrente de energia que vai e retorna mais forte. Mas não são apenas os governantes. Também as pessoas no seu cotidiano parecem só funcionar quando colocam lenha da fogueira…colocando discursos de raiva. O prêmio: obtenção de migalhas de calor da fogueira das vaidades…do poder.
Vejam. Hitler e qualquer regime totalitário dominaram milhões com seus serviços secretos. Imaginem a tirania tendo a força do Google e tudo o que sabemos da captura de nossos dados a partir das redes sociais? Seu IP do computador, seu perfil na internet…tudo está à disposição do Grande Irmão, que tudo sabe. Cuidado: sabe até o que você está lendo. Porque a livraria informou àqueles a quem ela vende seus dados o título do livro que você acabou de comprar. Logo, você receberá, durante meses, a oferta de títulos similares.
Eles sabem tudo. Não há mais segredos. O que Étienne diria se, ao seu tempo, existissem as redes sociais? Queria ver Hobbes, cujo motor era o medo, virar-se com os discursos de ódio das redes sociais. Seus livros seriam muito mais ácidos (o de Hobbes e do Étienne).
A servidão, hoje, é mais que voluntária. Aliás, Étienne dizia que a servidão voluntária era a efeminização do povo (atenção, no sentido que se dava à palavra à época).
Acostumar-se a obedecer, a apanhar, a tomar café ruim, cerveja aguada, andar em voos apertados, enfrentar engarrafamentos sem qualquer providência do poder pública, disputar espaços na perimetral com ciclistas arrogantes…tudo sem reclamar (modéstia às favas, não é o meu caso: minha chatice é reconhecida nacional e mundialmente – sou servidão). Ah: E não esqueça sua senha. O Grande Irmão sempre a quer.
Post scriptum: por favor, proíbam o meu novo livro na Feira
Sabemos que a cada vez que alguém interdita um livro ou charges, as vendas sobem. Assim, na medida em que a Vereadora Mônica proibiu a exposição e isso deu projeção ao proibido (no Rio, então, a interdição deu o maior up aos livros), pediria que ela ou alguma autoridade proibissem duramente a exposição meus livros na Feira do Livro.
Até ajudo a achar algum trecho que enseje a “proibição”. Quero vender os meus livros com uma tarja: cuidado este produto desaliena! Tem um de Ciência Política que é muito perigoso, vou avisando. Tem uma parte em que falo de democracia e… não vou dar spoiler. Que venha a interdição!
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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