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Colunistas A simplicidade como caminho político

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(Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Em um tempo em que a política global gira em torno do espetáculo, da autopromoção e da falta de escrúpulos, duas figuras, recentemente saídas de cena se destacaram, não por acumularem poder, mas por terem renunciado a ele com uma serenidade quase desconcertante. De um lado, o Papa Francisco, primeiro pontífice latino-americano da história. De outro, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai. Entre ambos, embora distantes em função, há uma interseção moral e existencial que ecoa uma antiga sabedoria: a dos estoicos.

Francisco assumiu o papado em 2013, com gestos que imediatamente romperam com o protocolo. Recusou os apartamentos palacianos, preferiu a Casa Santa Marta, dispensou a limusine e pediu orações, em vez de aplausos, no seu primeiro pronunciamento como Papa. Ao longo do pontificado, insistiu em denunciar o que chama de “economia que mata”, ao alertar para um sistema global que naturaliza a desigualdade e trata a natureza como mercadoria. A encíclica Laudato Si’, de 2015, não é apenas um manifesto ambiental, mas um tratado ético que propõe uma “ecologia integral”, em que justiça social e equilíbrio ecológico são inseparáveis.

José Mujica, por sua vez, governou o Uruguai entre 2010 e 2015, e se tornou conhecido mundialmente como “o presidente mais pobre do mundo” — título que ele sempre rejeitou com ironia. Morando em uma chácara nos arredores de Montevidéu, dirigindo um Fusca 1987 e doando cerca de 90% de seu salário para obras sociais, Mujica não fez da simplicidade um artifício de marketing, mas uma filosofia de vida. Pregava a sobriedade, não como sacrifício, mas como liberdade. “Somos felizes quando conseguimos viver com pouco, porque isso nos permite dispor de tempo para o que realmente importa”, dizia, evocando uma sabedoria que raramente se vê nos corredores do poder.

Em que pese a origem distinta de suas trajetórias — religiosa, no caso de Francisco; política, no caso de Mujica — ambos compartilham um ethos que poderia ser definido como um humanismo frugal. A busca pela coerência entre valores e prática, a crítica severa ao consumismo e ao hedonismo contemporâneo, o compromisso com os mais vulneráveis e uma visão de mundo que recoloca o ser humano no centro das decisões políticas e econômicas são traços comuns que tornaram suas lideranças, ao mesmo tempo, anacrônicas e urgentemente necessárias.

Essa convergência moral encontra ecos profundos no estoicismo, filosofia nascida na Grécia antiga e refinada no Império Romano. Marco Aurélio, imperador estoico, dizia que “o que não faz o homem pior, não o torna pior” — numa lição de desapego e discernimento sobre o que de fato importa. Epicteto, outrora escravo, ensinava que a liberdade verdadeira reside no domínio de si mesmo, e que a virtude é o único bem incontestável. Os estoicos propõem uma ética da moderação, da resiliência, da responsabilidade e do dever — virtudes que Francisco e Mujica encarnaram, cada um à sua maneira, em uma era que parece ter desaprendido o valor do comedimento.

O que une essas três tradições — o cristianismo social de Francisco, o humanismo político de Mujica e o estoicismo clássico — é uma crítica ao culto moderno da abundância e da pressa. Em lugar da acumulação, propõem a frugalidade. Em vez do individualismo, a interdependência. No lugar da performance, a integridade. Em tempos de colapso ambiental, polarização política e crises existenciais amplificadas por redes sociais, talvez esse caminho alternativo não seja apenas desejável, mas necessário.

Não se trata de idealizar figuras ou filosofias, mas de reconhecer que o modo como temos vivido — orientado pelo consumo ilimitado, pela aceleração constante e pelo esquecimento do outro — esgotou suas promessas. A política como espetáculo falhou. A economia como fim em si mesma gerou devastação. O individualismo como projeto de vida gerou solidão. É nesse contexto que os exemplos de Francisco e Mujica, iluminados pelo pensamento estoico, aparecem não como nostalgia, mas como um horizonte possível e necessário.

Instagram: @edsonbundchen

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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