Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Edson Bündchen Asas de Ícaro

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Os efeitos da pandemia têm acelerado algumas mudanças que já se prenunciavam no horizonte, de maneira mais evidenciada em novas formas de trabalho, convivência social e avanços tecnológicos. Os ventos da ruptura do velho, contudo, não são lineares, tampouco exclusivamente tecnológicos, como provam os gestos de algumas correntes políticas que, a despeito do avançar da história, abraçam o pretérito com denodo e salpicam uma pauta que se prenunciava de vanguarda com um tempero que renega a novidade e ofende a agenda de maior cooperação e integração, hoje incitada pelos desafios globais de preservação ambiental, biossegurança, multilateralidade e tolerância às diferenças. Os acenos políticos ao passado resgatam algumas bandeiras que já conduziram a humanidade a tempos sombrios, embalando a liberdade, a religião e a pátria, em molduras adornadas por fanatismo ideológico, no qual a imposição do sectarismo se orienta por uma concepção dogmática de propósitos, imputando ao processo dialógico uma espécie de tábua de salvação da própria política enquanto instrumento capaz de viabilizar consensos.

A apropriação política de pressupostos universalizantes, como a liberdade, por exemplo, seria salutar não houvesse flagrante contradição em seus próprios termos, como vemos quando se projeta atacar as instituições em seu nome. A religião é outro tema que, enquanto instituição, deveria estar apartada da arena política, a não ser como matriz de valores morais, estes forjados também à luz do próprio pacto social, unificado no conjunto de leis que regem o País. Mas não é assim. Muitas vezes, com o bordão “Deus acima de todos”, muitos líderes imaginam tornar mais confiáveis seus desígnios, mesmo que suas práticas os desmintam. Por fim, o conceito de pátria, muito antes de servir a propósitos personalistas, deveria nortear um conceito mais amplo, permeado por maior senso cívico.

Nessa perspectiva, liberdade, religião e pátria, mais do que nutrir uma narrativa exclusivista, deveriam compor um mosaico abrangente, comum a todos, não passível de arresto ideológico. Dado o atual momento de antagonismo crescente nos extremos do espectro político brasileiro, seria salutar assistirmos a maior moderação, com o radicalismo atenuando ou eliminando pautas sectárias amparadas em refrões nacionalistas, xenófobos e intolerantes. Esse gesto abriria espaço para maior abertura e diálogo, permitindo a criação de uma agenda menos belicosa e mais promissora. Nesse contexto, a plataforma de soluções possíveis não encontraria o atual muro de contenção a lhe impor barreiras por vezes intransponíveis, particularmente frente à pauta progressista, que se revela mais aderente a um mundo interdisciplinar e crescentemente complexo. Os exemplos da invasão ao Capitólio, logo após as eleições americanas, e a forma como a narrativa política tem se desenhado no Brasil, denotam com clareza as ameaças que um discurso ancorado na eliminação dos contrários carrega.

Não será, todavia, ignorando os riscos envolvidos na atual conformação e contornos do crescente clima de polarização que avançaremos. Mais do que isso, trazer para o debate político temas de caráter cívico, religioso ou filosófico, não deveria significar abrir uma “caixa de pandora”, mas conferir robustez à argumentação, hoje ainda pouco sofisticada, afastando o caráter ufanista e arbitrário que os termos poderiam suscitar, e permitindo um comprometimento público maior com nossas divergências morais. Um ambiente de abertura e busca do entendimento através do enfrentamento de temas que atualmente nos segregam em vez de nos fortalecer, não é garantia de acordo, mas certamente amplia as possibilidades de vislumbrarmos uma vida social mais sadia e engajada. Esse ideal é bem mais promissor, enquanto perspectiva para o futuro, do que a exacerbação nacionalista, revestida por messianismo personalista que aprofunda e agrava a atual cisão política que vivemos, que, sem freios, nos remeterá ao destino que a presunção legou às asas de Ícaro.

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